sábado, 26 de fevereiro de 2011

Deontologia Profissional: Perspectivas de um Professor/Formador

O paradigma que, universalmente, se pretende implementar, desenvolver e consolidar, ostenta, para já, um nome e apelidos poderosíssimos - Globalização: Económica, Científica e Tecnológica. O importante modelo, que assim o querem sustentar, certamente, é bem-vindo, porque grande parte da vida das pessoas, das comunidades e do mundo, cada vez mais, dele dependem.
Por isso se pode enaltecer todos aqueles que, efectivamente, contribuem para que todos os outros possam beneficiar deste universal processo, se possível, a um nível o mais igualitário, isto é, que todos, independentemente da sua condição financeira, estatutária, política, étnica ou outra, beneficiem dos progressos que este novo paradigma vai alcançando, quer quanto a valores materiais, necessários a uma boa qualidade de vida física e Sócio-Profissional, quer quanto às oportunidades de acesso a outros valores que os bens materiais podem proporcionar.
O valor educação/formação é indissociável daquela qualidade de vida que todo o cidadão tem o direito de aceder e todo o responsável político tem o dever indeclinável de promover globalmente, sem discriminações, sem elitismos, sem influências, obviamente, a partir da educação, porque: “A qualidade de vida está directamente relacionada às condições em que essa via se desenvolve: medicina, psicologia, teologia, filosofia, engenharia, agricultura indústrias, desenvolvem actualmente um esforço ingente para atender ao clamor geral por melhores condições de vida.” (FINKLER, 1994:8, in PASCOAL, 2004:38)
Nenhum povo, nenhum país, nenhuma cultura, nenhuma civilização poderão desenvolver-se e enobrecer-se, respectivamente, sem este outro ilustre paradigma, tantas vezes e por tantos responsáveis esquecido ou, no mínimo, desvalorizado ao longo dos tempos: Educação/formação para a convivencialidade societária, no respeito, na tolerância, na solidariedade e cooperação entre pessoas, povos e nações, porque: “Educação é formação de todos, em todas as oportunidades e espaços do quotidiano, ao longo da vida. (…) a educação torna-se efectivamente permanente: educação para uma vida cultural e socialmente multi-activa em qualquer fase do percurso da vida dos indivíduos.” (PINTO, 2004:151)
Podem-se construir, implementar e estabilizar os paradigmas da objectividade, da quantificação, da reversibilidade, da previsibilidade, da universalização das leis científicas, enfim, com todas as características das denominadas Ciências Exactas, porém, o Mundo não terá paz enquanto os paradigmas das Ciências Sociais e Humanas, da Religião, da Filosofia, e das transcendências (sem dogmas) não forem assertiva e publicamente reconhecidos e integrantes da humanidade.
Com polémicas ou sem elas, goste-se ou não, afirme--se ou negue-se, o homem não terá, apenas, uma composição física, mensurável, determinada, concreta e objectiva, nem só sentidos, porque para além destas características e faculdades, respectivamente, outras imateriais existem: “Pensamentos e raciocínios são sentidos, porém mais sofisticados que os da visão, audição, olfacto, tacto, gosto, uma vez que são os atributos e determinantes maiores e essenciais da própria vida humana.” (COLETA, 2005:14)
O insondável continua a existir no homem e incomoda muitos técnicos, cientistas, materialistas, laicos, intelectuais e outras elites, obviamente, salvo honrosas excepções, entre aqueles. O contrário é, igualmente, verdade, a dimensão físico-material existe, é reconhecida universalmente, também por muitos daqueles que valorizam mais a dimensão imaterial, o psíquico, o sentimento, a crença convicta numa outra existência e transcendência, o tal insondável, o mistério que continua a ser o homem, dotado de alma e corpo, que continua angustiado porque ainda não sabe para onde vai.
Mas estes conhecimentos ou sensações, ou emoções, ou sentimentos, ou ainda, convicções profundas, também se ensinam (?), concretamente no sentido em que: “Ensinar é a actividade pela qual o professor, através de métodos adequados, orientará a aprendizagem dos alunos.” (HAYDT, 1997:12), melhor ainda, também se aprendem (?). Se a resposta for afirmativa, quais os conteúdos, que estratégias, que metodologias, que pedagogias/andragogias, como avaliar a interiorização de tais competências e a sua prática na vida concreta, objectiva, material e terrena?
E que professores/formadores são necessários em termos da sua preparação, praxis e ética ou deontologia profissionais se lhes deve exigir? Pode-se parar por aqui, porque de contrário os problemas avolumam-se e agravam-se ao ponto de se ter que rejeitar toda e qualquer abordagem. E se o mundo material, natural e/ou artificialmente construído pelo homem, já é complexo, pese embora a mentalidade positivista ter pretensões de os resolver, outro tanto, seguramente, não se verifica com o mundo sobrenatural.
Estes dois mundos existem: o material e o imaterial; o físico e o espiritual; o fenoménico e o numénico, o que se quantifica e o que se qualifica; o que se objectiva e o que se subjectiva. Aceitando, sem preconceitos, sem superioridades, estas duas realidades, focalize-se a reflexão no mundo dos ideais, dos valores, da superior condição humana, assente na trilogia: Dignidade – Dever – Divindade. São três aspectos que melhor podem caracterizar o homem, concretamente o homem que se considera titular de duas partes, em que uma, para o crente, é constituída à imagem e semelhança do seu Criador, isto é, da Divindade esta, por sua vez, causa primeira e última da existência daquele ser, ainda misterioso, insondável e fascinante que é o homem; outra, a parte física, composta de matéria que morre.
Com a dignidade que lhe é própria, no sentido da respeitabilidade, da coerência e da tolerância e, usando do privilégio que é a sua transcendência para a qual envia esta dimensão, também única, a da espiritualidade, no sentido do encontro com a perfeição da Divindade, aborde-se, então, a partir da dimensão educacional do homem, o papel de professor/formador o que significa, de facto, este ideal do Dever, precisamente no contexto de um sistema educativo globalizado, integral, aceitando como inevitável o ponto de partida em que a humanidade se encontra: ideologicamente materializada.
A dimensão educacional do homem implica, afinal, uma atitude facilitadora e receptiva para novas técnicas educativas, novas pedagogias/andragogias, novas didácticas, novas metodologias, enfim, novos objectivos. A predisposição e abertura ao ainda não científico e ao não cognitivo são um contributo importante para novas estratégias, novos compromissos.
A tolerância do cidadão-cientista deve ser correlativa com a sua humildade intelectual e, nesse sentido, pode aceitar, sem o preconceito positivista, outras abordagens não tradicionais mas, eventualmente, interessantes e até proveitosas na perspectiva educativa.
Uma nova “pedagogia não cognitiva” poderá constituir uma alternativa credível para a construção de uma sociedade mais humanista, mais afectiva e, nesta fase da evolução do conhecimento técnico-científico, que continua impotente para resolver determinados problemas do foro mais íntimo e dos valores mais ambicionados pelo homem, por que não dar uma oportunidade a outras leituras alternativas? Pode (e/ou deve) o professor/formador enveredar por tais alternativas?
Com efeito, considera-se neste trabalho, cujo tema central é a “Ética do Professor/Formador”, a colaboração que ele poderá (e deverá) dar na preparação de um novo cidadão, que seja capaz de contribuir para a resolução de questões de natureza algo inefável e abstracta, mas que influenciam a vida concreta, material e objectiva do ser humano. Ser capaz de avaliar todas as hipóteses possíveis: as tradicionais e as que têm cobertura científica, mas também todas aquelas que podem constituir alternativa e caminho para as soluções, que tardam em aparecer, para os problemas sociais.
 Será no âmbito da cooperação, entre os vários níveis do conhecimento, que se regista o aparecimento de uma nova “pedagogia não cognitiva” a qual possibilita a análise de diferentes hipóteses de solução para os vários problemas que obstaculizam o objectivo pelo qual o homem vem lutando: viver numa sociedade mais feliz, humanista, solidária, justa e segura.
Num contexto ecuménico tão complexo, o professor/formador, qualquer que seja o nível de ensino/formação, certamente tem dificuldades em posicionar-se cultural, científica e tecnicamente, face aos seus alunos mas, a problematização da sua posição é mais evidente quando é confrontado com decisões que envolvem o domínio ético, porque entre a competência profissional, a observação das normas jurídicas aplicáveis, os legítimos interesses dos alunos/formandos e respectivos encarregados de educação, a imagem da Instituição em que está integrado e as normas deontológicas, num mundo de situações, é susceptível vislumbrar-se, como é verdadeiramente pertinente, dir-se-ia, eticamente exigível que todos estejam preparados para a vida real que, tanto dentro como fora das escolas, existe e, nesse sentido, se acolhe bem a estratégia segundo a qual: “A orientação prática prepara de forma mais concreta para a futura vida profissional, sugerindo pistas acerca do modo de relacionar e aplicar conhecimentos e, também, formas de agir e de resolver situações profissionais.” (REGO, 2003:52)
Resulta que, um posicionamento deontológico do professor/formador pressupõe a sua total abertura para acolher dos seus alunos e encarregados de educação, as sugestões que sejam do interesse destes intervenientes, no que se relaciona com o estudo e prática de matérias que eles considerem como as mais necessárias para as suas futuras actividades profissionais, respeitando, obviamente, um curriculum mínimo nacional, fixado pelas entidades competentes.
Com igual posicionamento, ético-profissional, o professor/formador deve, em princípio, e havendo acordo entre os alunos, negociar com estes, no início de cada ano escolar, os instrumentos e ponderações para as avaliações, naturalmente no respeito por critérios de justiça e num quadro de absoluta legalidade e lealdade, buscando, por esta forma, uma avaliação do aluno, o mais justa e abrangente possíveis: “Para realizar uma avaliação integral do aluno, isto é, para avaliar as várias dimensões do seu comportamento, é necessário o uso combinado de várias técnicas e instrumentos de avaliação, que devem ser relacionados tendo em vista os objectivos propostos.” (HAYDT, 1997:313)
E se para o aluno/formando, a avaliação deve constituir-se como estímulo, informação, orientação e prémio, e em circunstância alguma entendida como castigo ou rotulagem de incompetência ou atraso mental; para o professor/formador, trata-se de uma função complexa que lhe proporciona oportunidades únicas para aperfeiçoar seus procedimentos de ensino/orientação/tutoria, com um sentido orientador.
 Em suma, sendo uma função complexa ela é nobre porque lhe proporciona a realização da sua própria introspecção: “…a auto-avaliação efectuada pelo professor é o seu momento de reflexão mais intensa, de encontro com as suas verdades, o seu conhecimento e a realidade caracterizada então pela sua prática com um determinado grupo de alunos.” (KENSKI, in HAYDT, 1997:319, citada por VEIGA, 1988:131-43)
A responsabilidade de quem avalia é inquestionável porque de uma avaliação justa ou injusta pode depender o futuro de um jovem, de um profissional na sua carreira, da evolução individual e/ou colectiva de um grupo. Avaliar é julgar e quem julga deve munir-se de todos os meios ao seu alcance, legais, irrefutáveis, verdadeiros e justos, com os quais formará, conscientemente, a convicção de que está a ser correcto e justo.
A Deontologia Profissional do professor/formador é fundamental no julgamento que vai fazendo dos seus alunos/formandos e, tal como o juiz em processo judicial que julga a partir dos factos, inequivocamente provados e da convicção que forma em sua consciência, sobre o caso concreto em apreciação, podendo resultar danos incalculáveis, injustiças e consequências irreparáveis ao condenar um inocente, também o professor/formador será responsabilizado pelo futuro de uma pessoa, de um grupo profissional e até de uma sociedade inteira.
Uma ética da justiça no sistema educativo, centralizada no aluno e no processo de avaliação é essencial para a formação de cidadãos íntegros, competentes e justos. Na formação dos cidadãos do futuro, não há caminho que não tenha que passar pela trilogia: Educação-Aluno-Professor/Formador.
São estes os elementos fundamentais para uma nova sociedade. A responsabilidade é pesada para todos: sistema educativo nos seus organismos competentes; alunos/formandos quanto ao seu empenhamento; professores/formadores ético-pedagogicamente competentes; encarregados de educação vigilantes e cooperantes; sociedade esclarecida e actuante. Bolonha e o Ensino Superior não devem ser ignorados.

Bibliografia

BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002) Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro, Dissertação de Mestrado, Braga, Universidade do Minho. (Não publicada)
COLETA, António Carlos Dela, (2005). Primeira Cartilha de Neurofisiologia Cerebral e Endócrina, Especialmente para Professores e Pais de Alunos de Escolas do Ensino Fundamental e Médio, Rio Claro, SP – Brasil: Graff Set, Gráfica e Editora
PINTO, F. Cabral, (2004). Cidadania, sistema Educativo e Cidade Educadora, Lisboa: Instituto Piaget
PASCOAL, Miriam, (2004). Qualidade de Vida e Educação, in Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas SP: PUC, Pontifícia Universidade Católica, N. 17, pp. 37-45
REGO, Arménio, (2003). Comportamentos de Cidadania Docente: na Senda da Qualidade no Ensino superior, Coimbra: Quarteto Editora
HAYDT, Regina Célia Cazaux, (1997). Curso de Didática Geral, 4ª ed. S. Paulo: Editora Ática
VEIGA, Ilma Passos A., (Coord.), (1988). Repensando a Didática. Campinas SP: Papirus

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

1 comentário:

Cecília disse...

Gosto bastante das suas perspectivas como professor/formador, já pensou em editar um livro? Assim todos poderiamos ter o prazer de ler numa compilação todos estes seus excelentes artigos!