domingo, 27 de março de 2011

Multiculturalismo

A reflexão que se segue vem a propósito de um tema importantíssimo para, no âmbito da cidadania democrática, se desenvolver o que efectivamente gira à volta de um dos grandes problemas da actualidade que é o reconhecimento num Estado Constitucional e Democrático, da identidade, autenticidade e sobrevivência das sociedades multiculturais e o seu direito à reprodução social, onde se incluem as minorias:

“Uma das formas mais dramáticas de discriminação é negar a grupos étnicos e a minorias racionais o direito fundamental de existirem como tais. Isto verifica-se através da sua supressão ou brutal transferência, ou então tentando debilitar de tal modo a sua identidade étnica a ponto de deixarem, simplesmente de serem identificáveis. Poder-se-á permanecer em silêncio perante crimes tão graves contra a humanidade? Nenhum esforço deve ser considerado excessivo, quando se trata de pôr fim a tais aberrações, indignas da pessoa humana.” (PAULO II, 1999a: 52)

Filosofia, educação, cidadania, política, religião serão, porventura, entre outros, igualmente importantes, os pilares que podem suportar um desenvolvimento adequado e moderno, na resolução deste grave problema herdado do século XX, que se prende com a indispensabilidade de se abrirem as mentalidades, para os valores da cultura, de forma a se reconhecer no outro um igual a todos os demais, titular de direitos e deveres.
O reconhecimento e aceitação da multiculturalidade são uma preocupação para o futuro ou permanecerá um problema do passado? O multiculturalismo deverá constituir-se como um bem necessário a desenvolver-se por toda a humanidade, como riqueza e património mundiais ou deve-se caminhar para o monoculturalismo, assente no facilitismo do entendimento neológico dos seres humanos, uns para com os outros?
Numa perspectiva humanista e com uma mentalidade democrática, não podem restar muitas dúvidas quanto ao futuro que convém: um futuro multicultural, tolerante, fraterno, democrático, será a saída honrosa de um certo caos instalado. A solução passa, eventualmente, pelas boas práticas interculturais.
Atente-se em alguns documentos importantes e medite-se, objectivamente, sobre o conteúdo de um ou dois preceitos jurídico-legais: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” e “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra...” (AMNISTIA INTERNACIONAL, (s.d.). DUDH, Artºs 1º e 2º) ou: “Todos os portugueses têm direito à Educação e à Cultura (...). O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.” (ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA, (1986): Lei 46/86, art. 2º)
Nesta tradição, de séculos e de milénios, vive-se um período conturbado, devido ao desentendimento entre os homens, no que respeita aos valores das sociedades que integram, sendo certo que os factos religiosos e políticos, estarão na base de muitos dos conflitos regionais e que, simultaneamente, a estes valores, outros se destacam, nomeadamente: económicos, culturais, ecológicos. Naturalmente que das violações àqueles valores, se ressentem os Direitos Humanos fundamentais, logo, o exercício da cidadania plena.
Esta situação implica um maior investimento individual e colectivo, na preparação dos cidadãos, quaisquer que sejam as suas idades, origens e estatuto social. Este trabalho vem apontando algumas hipóteses de solução do problema que, na verdade, passam pela formação Sócio-cultural pelo exercício diário de alguns dos valores universais mais consensuais: família, educação, trabalho e religião.
 Acresce a conveniência de, permanentemente, se interiorizar uma cultura de adaptação dos valores, princípios e normas de conivência às situações actuais, num contexto de crescente globalização, praticamente, em todos os domínios da sociedade humana.


Bibliografia

AMNISTIA INTERNACIONAL (1997). Primeiros Passos: Um Manual de Iniciação à Educação para os Direitos Humanos. Trad. Catarina Solano de Almeida e Maria Helena Cabral, Lisboa: Secção Portuguesa da Amnistia Internacional
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, (1986). Lei de Bases do Sistema Educativo Português, aprovada pelo Lei 46/86 14/10, DR I série. Nº 237 de 14/10/86.
BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002). “Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro” Dissertação de Mestrado, Braga: Universidade do Minho, Lisboa: Biblioteca Nacional, CDU: 1Ferreira, Silvestre Pinheiro (043), 342.7 (043). (Publicada em artigos, 2008, www.caminha2000.com inJornal Digital “Caminha2000 – link Tribuna”);
BARTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2009). Filosofia Social e Política, Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, Direitos Humanos e Relações Interpessoais, Tese de Doutoramento, Bahia/Brasil: FATECTA – Faculdade Teológica e Cultural da Bahia: (1. Curso Amparado pelo Decreto-lei 1051 de 21/10/1969.
PAULO II, João, (1999a). “Mensagem para o Dia Mundial da Paz, proferida em 01 Janeiro 1999, e datada de 08/12/1998, subordinada ao tema: “O Segredo da Verdadeira Paz” in CARNEIRO, Roberto, “O choque de Culturas ou Hibridação Cultural?”, Revista Nova Cidadania, S. João do Estoril: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, (2), Outono, pp. 43-52

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

domingo, 20 de março de 2011

Etnias e Direitos Iguais

         Nos últimos anos há quem venha defendendo a criação dos Estados Unidos da Europa, num regime federalista; também se tem apoiado, em vários quadrantes político-ideológicos, a nível nacional, a regionalização do país. Vários argumentos a favor e contra têm sido utilizados e no que respeita a Portugal, o referendo realizado a propósito da regionalização, produziu um resultado inequívoco no sentido da sua recusa.
Quanto à criação de uma Europa federada igualmente existe quem a defenda e também quem a rejeite, faltando a este propósito consultar todos os povos de cada nação constituinte da União Europeia. Segundo Habermas: “A federalização é uma solução possível apenas quando os membros dos grupos étnicos e mundos culturais diferentes vivem em áreas geográficas mais ou menos separadas.” (in TAYLOR, 1998:145)
É assim que se estende a garantia de direitos de coexistência, iguais para os diferentes grupos étnicos e para as suas formas de vida cultural, desde que a esfera pública abra as estruturas de comunicação, promovendo discussões orientadas para o auto-entendimento, que se possa implementar nas sociedades multiculturais, contra o acumular de conhecimentos da cultura liberal e à base de associações voluntárias.
Mas aqui talvez se possa colocar uma questão pertinente: “Utiliza-se a regra da maioria, para delimitar as minorias! Será tal regra justa? A regra da maioria não será antes a expressão política de hegemonia da cultura comum e por esta via, os multiculturalistas não estarão a cometer um erro quando redefinem a democracia de um modo não maioritário, como uma divisão do poder entre os diferentes grupos culturais?” (O’SULLIVAN, 2000: 54)
A salvaguarda da coexistência dos direitos iguais, para diferentes grupos étnicos e suas formas de vida cultural, não necessita de recorrer a um tipo de direitos colectivos, os quais, por sua vez, afectariam, excessivamente, os direitos individuais, porque no Estado Democrático Constitucional a protecção da forma de vida e de tradições, nas quais são formadas as identidades e que serviria para o reconhecimento dos seus membros, não representa um perigo para a preservação das espécies, de resto, na perspectiva ecológica, a preservação das espécies não pode ser transferida para as culturas, porque as heranças culturais e as respectivas formas de vida reproduzem-se normalmente “Nas sociedades multiculturais a coexistência de formas de vida com direitos iguais significa garantir a cada cidadão a oportunidade de crescer dentro do mundo de uma herança cultural e garantirem aos seus filhos crescerem nele sem sofrerem discriminação.” (TAYLOR, 1998:148)
A lealdade à cultura comum é, pois, assegurada pela integração política dos cidadãos. Na perspectiva histórica da nação, tal cultura terá a sua origem na interpretação que resultar dos princípios constitucionais e, nesta medida, aquela interpretação não poderá ser neutral, o que se pode conseguir através dos debates históricos sobre os direitos e princípios constitucionais, que são as referências para qualquer patriotismo do sistema de direitos de uma comunidade legal, porque eles devem estar ligados às motivações e convicções dos cidadãos.
Por tais razões é que a partilhada cultura política, na qual os cidadãos se reconhecem, é permitida pela ética “... A substância ética de um patriotismo constitucional não pode prejudicar a neutralidade do sistema” (IBID., 152)


Bibliografia

O`SULLIVAN, John, (2000). “A Próxima Grande Ameaça à Democracia”, in Revista Nova Cidadania, (4), Primavera 2000
TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo, Trad. Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

domingo, 13 de março de 2011

Capacitação para o Trabalho

A realização do trabalho e as teorias que o explicam podem influenciar posições e atitudes face a esta característica específica do ser humano. Ignorar a existência desta capacidade do homem, corresponde a igualar a humanidade à restante animalidade.
Quando se reflecte sobre a dimensão social do homem, pensa-se no “trabalho enquanto realização pessoal” e que hoje se reitera e reforça num contexto não só da caracterização do novo cidadão, mas também como exigência essencial à sua afirmação humana, desenvolvimento e compromisso social.
Quaisquer que sejam as definições de trabalho, parece que um conceito mais profundo não dispensa a referência ao seu contexto histórico e filosófico para melhor se compreender, até porque ao longo da história, ideias como: o trabalho é uma actividade dignificante; o trabalho realiza o homem; o cidadão preparado para o mundo do trabalho ou ainda o trabalho como riqueza das nações, nem sempre foram entendidas como aspectos positivos, tanto mais que, já na época antiga e clássica, o trabalho era uma actividade indigna de certas classes político-filosóficas e, mais recentemente, o trabalho como forma de exploração e alienação do homem. Inevitavelmente que a discussão levaria muito longe e extrapolaria o âmbito deste estudo.
Assumindo-se uma posição positiva relativa ao trabalho, considerado como uma actividade especificamente humana, em ordem às satisfações individuais e colectivas, entende-se que toda a pessoa, minimamente válida, física e intelectualmente, deve trabalhar.
A riqueza das nações (de língua portuguesa) assenta essencialmente em algumas vertentes a saber: formação académico-profissional de todas as pessoas; valorização dos recursos humanos; empresas honestas, produtivas e estáveis; cooperação internacional geral e muito em especial entre os países lusófonos e da União Europeia; salários justos, sem a amplitude que se verifica entre trabalhadores da mesma instituição, por exemplo do Estado, onde existe uma amplitude discricionária de salários, o que provoca injustiças, descontentamento, improdutividade e reduzido poder de compra para a esmagadora maioria, isto para não se invocar os reformados (que já foram trabalhadores produtivos) que auferem, na maior parte dos casos, reformas exíguas que nem para a medicação de manutenção é suficiente.
O cidadão moderno que se gostaria de ver numa sociedade mais justa tem de estar capacitado para o trabalho, se possível na profissão para a qual se preparou e for considerado mais apto e, simultaneamente, satisfaça a sua vontade e aspirações. Muito dificilmente um trabalhador se sente realizado executando tarefas para as quais não tem quaisquer habilitações e predisposição voluntária. Evidentemente se torna necessário cobrir todas as áreas da produção e consumo de bens.
Compete ao Estado assegurar a formação académica e profissional no sentido de preencher todas as necessidades de produção e consumo, mas também compete ao Estado assegurar as saídas profissionais para os técnicos formados nas instituições públicas sendo garantido que à iniciativa privada serão dadas idênticas condições na colocação dos técnicos preparados nos diversos estabelecimentos privados e cooperativos, isto é, haverá igualdade de tratamento no acesso ao trabalho para pessoas formadas nas instituições públicas, privadas e cooperativas, nacionais e/ou estrangeiras, reconhecidas em processos de reciprocidade, porque a competência de aprovar cursos tem sido sempre da responsabilidade dos departamentos específicos do governo, logo, os cidadãos formados com cursos aprovados, devem ter garantia de trabalho após a conclusão dos seus estudos e preparação técnica.
Vai ser principalmente através do trabalho que o cidadão ganhará o seu estatuto social, por mérito próprio, um estatuto adquirido em função da principal actividade que ele desempenhará na sociedade e que, por isso mesmo, maior ou menor consideração vai usufruir por parte dos seus concidadãos. Vai ser pelo trabalho que se realizarão alguns dos seus projectos pessoais; será no trabalho que ele terá a possibilidade de se tornar um cidadão útil, desejado e até estimado no seio da comunidade em que se insere, porque:
O trabalho continua a ser um dos valores fundamentais da civilização ocidental, (…) na emergência de processos de socialização de consumo, num contexto social em que os modelos de socialização tradicional estão a perder terreno em relação aos modelos mediáticos, num confronto entre modelos e valores apreendidos a nível familiar com os modos de vida apreendidos na imprensa, na televisão e, ao mesmo tempo, representa o elo de ligação entre o indivíduo e a sociedade, que lhe confere um sentimento de pertença.” (SANTOS, 2001: 485)
Na “construção” deste novo cidadão, o trabalho constituirá um aspecto enaltecido, sem discriminação entre quaisquer das muitas actividades profissionais porque, desde que exercidas com competência, entusiasmo e actualização, todas elas são válidas perante a apreciação da sociedade, muito embora se tenha a consciência de que é necessária uma permanente modernização ao longo da vida.
 O cidadão pretendido para o século XXI não pode associar-se a um título, a um único e estatístico conhecimento sob pena de ser ultrapassado pelas novas tecnologias, pelos novos saberes e deixar de ser útil, produtivo e reconhecido, conduzindo à desmotivação e ao abaixamento da sua auto-estima.
As alterações profundas de muitos hábitos, as rápidas mudanças de sistemas produtivos, a criação muito frequente de novas necessidades, algumas das quais não o eram num passado recente; a substituição de alguns valores, referenciais noutros tempos; a existência de uma sociedade de consumo, cada vez mais exigente e informada, conduzem a humanidade para situações de verdadeiras carências, mesmo quando estas possam considerar-se de mera ostentação ou vaidade. Pelo trabalho, cada vez mais qualificado e menos penoso para o homem, constrói-se uma sociedade em que, a todo o momento, se podem alcançar os limites da moderação, do bom-senso e do conforto.
Por outro lado, o avanço da técnica e da tecnologia, o aparecimento quase diário de novos equipamentos, novas máquinas, formas mais sofisticadas de trabalho, maior controlo da produção, estão na origem da dispensa de muitos trabalhadores que não lhes tendo sido dada a possibilidade de se actualizarem, de se converterem profissionalmente ou, não estando muitos deles dispostos a abandonar um certo comodismo, vêm contribuir para o aparecimento de um novo tipo de pobreza que resulta da desqualificação de muitas profissões e mesmo do desaparecimento de outras ou substituição do homem pela máquina. Por tudo isto, cabe ao cidadão do futuro, uma parte da responsabilidade pela sua situação a curto ou médio prazo, se nada fizer para se manter disponível para aprender e adaptar-se ao longo da vida:
Assim, afigura-se indispensável que cada cidadão tenha, ao longo do seu itinerário (profissional, mas não só) a oportunidade de aprofundar e alargar o conjunto de conhecimentos de base (ou educação de base) adquiridos no decurso da formação inicial antecedente – desejavelmente – à sua entrada na vida activa. Esta actualização não necessita obrigatoriamente da responsabilidade da escola, enquanto instituição pública responsável pela produção e difusão de conhecimentos. Como foi referido, as empresas ou os próprios indivíduos podem tomar a seu cargo essa iniciativa.” (COIMBRA, et al. 2001: 37)
Quando se reflecte sobre as mudanças tecnológicas e a organização do trabalho, o que se verifica é o abandono de processos domésticos e ancestrais de produção que remontam ao artesanato e à sua figura essencial que é o artesão-patrão, com ou sem o contributo de seus familiares que, muito rapidamente, tem vindo a ser substituído, ao nível da grande e massificada produção industrial, pela formação das empresas, pela introdução das máquinas, pela organização científica do trabalho.
Apesar disso e, aparentemente, um pouco contra a corrente dominante, desenvolve-se a valorização do trabalho artesanal, possivelmente pela sua variedade, mas também e principalmente, pela singularidade e genuinidade de cada peça produzida pelo artesão. Nesse sentido e em boa hora, muitos cursos profissionais lançados pelas escolas públicas e privadas, têm vindo a recuperar algumas profissões em vias de desaparecimento, justamente porque se reconhece a sua importância no contexto da reconstrução da história cultural. Justifica-se assim o que já se afirmou antes: que todas as actividades profissionais são úteis, necessárias e igualmente honrosas para quem as exerce.
A atenção que as entidades responsáveis: escolas, empresas, colectividades e o próprio cidadão, individualmente considerado, têm vindo a manifestar, é a prova de que esta pode ser uma via a desenvolver para a ocupação das pessoas, qualquer que seja a sua idade: importa dar atenção aos cursos profissionais que não só visam recuperar profissões, mas fornecer uma preparação, através da formação tecnológica adequada, em ordem a proporcionar melhores saídas profissionais e melhorar a qualidade do trabalho, o que se traduz numa elevação do nível e qualidade de vida e um reforço da auto-estima dos cidadãos-trabalhadores.
Com efeito, não se pode ignorar que: “A formação é um elemento motor da qualidade do emprego. O nível de formação constitui um indicador das possibilidades de evolução na carreira e de promoção profissional. (…) O investimento nos recursos humanos não só dinamiza o crescimento económico como aumenta a produtividade do trabalho. Quanto mais formado se é, mais produtivo se torna.” (CELESTIN, 2002: 65)
É um novo cidadão, sensibilizado para o trabalho, motivado para aprender durante toda a vida, que se defende para os dias de hoje e, nesta linha de orientação evolutiva, também para o futuro. Na verdade, pese embora uma situação de desemprego que, um pouco por todo o mundo se faz sentir, todos serão poucos para contribuir para o bem-estar geral da humanidade e em todas as profissões, devidamente actualizados, haverá produtividade não só em quantidade como também em qualidade e melhores condições de acesso aos produtos essenciais. Poder-se-ía pensar que se defende o homem-máquina, o homem-robot, o homem-telecomandado.
Esta não é, decididamente, a postura, nem se considera que esse homem-insensível possa ser o cidadão para a sociedade, porque antes do homem-produtor de bens materiais, colocamos o homem-cidadão de plenos direitos e deveres, defensor e praticante dos valores verdadeiramente humanos. O homem-cidadão, produtor-consumidor, reconhecido, respeitado e acarinhado, não só pela instituição como pelos seus semelhantes, enquanto pessoa de dignidade, como um recurso mundial inigualável e insubstituível, quaisquer que sejam as máquinas que ele próprio inventa, constrói e utiliza. É este o homem-cidadão que, preparado para a vida, servirá de paradigma para o futuro, no qual todos se possam rever e sentir orgulhosos. É o homem-trabalhador-cidadão que se deseja para o mundo de hoje, de amanhã e de sempre: um homem total na plenitude da sua superioridade terrestre.
As transformações profissionais ocorrem a um ritmo vertiginoso e de tal forma que na grande parte das profissões, é necessária uma permanente actualização sob pena de os indivíduos se tornarem inúteis e desvalorizados face a uma sociedade cada vez mais esclarecida e exigente, o que se reflecte ao nível dos conhecimentos e práticas que são exigíveis aos trabalhadores em geral e àqueles que de alguma forma exercem funções em lugares onde tenham de tomar decisões.
 O que se deseja, como objectivos a atingir, é que todos possam estar preparados para, numa qualquer fase da sua vida, assumir maiores responsabilidades. Muitas profissões são, inclusivamente, consideradas estratégicas na medida em que delas depende a maior e melhor produtividade e correlativo aumento de riqueza. Os empresários estão atentos quanto ao recrutamento de pessoal qualificado para as suas empresas e, na medida das necessidades e objectivos a alcançar, ora valorizam as habilitações literárias, ora preferem a formação profissional avançada e actualizada, aliás é isso mesmo que revela um estudo do Instituto do Emprego e Formação Profissional:
Quanto à natureza da qualificação necessária para as profissões em transformação, a análise revela-nos que neste quadro de interacções conjuntas a qualidade prática da formação profissional perde o seu estatuto de liderança relativa para se associar às habilitações literárias de ingresso e ao número de cursos de formação profissional quando as funções são do tipo ‘poder modificar as instruções, introduzir correcções no programa’ ou ainda ‘elaborar um relatório sobre a globalidade do trabalho’. Tal parece significar que as novas qualificações – a que estas funções parecem estar essencialmente associadas, como já referimos – não poderão prescindir de níveis adequados de qualificação formal, para além de uma prática periódica.” (SANTOS (Coord.) et. all., 1994: 61)
A grande premissa que se impõe ao cidadão deste tempo é estudar, profissionalizar, actualizar, ao longo da vida, reforçando a vertente que em cada época ou fase da sua carreira profissional mais se justificar: componente literária-académica e/ou formação profissional a partir de novos cursos, reciclagens e outros meios de actualização, porque: “Prevê-se a coexistência de tendências de especialização e de polivalência, de acordo com o tipo de actividade, tipo de organização e estratégias de gestão de mão-de-obra.” (KOVÃES, 1994:138)
Nesse sentido importa não só às empresas que investem na sua própria mão-de-obra como também ao Estado no que respeita ao seu aparelho produtivo, predominantemente na área dos serviços à comunidade porque a iniciativa e o exemplo podem estimular a sociedade civil se eles vierem da administração pública, desde logo a partir das suas escolas, a todos os níveis do sistema educativo e da formação profissional.
Existindo condições de ensino/aprendizagem, sejam no sector público ou no domínio privado, não pode o cidadão eximir-se à responsabilidade de melhorar os seus conhecimentos e práticas profissionais, seja qual for a sua idade, estatuto social e situação económica.
Aprender e trabalhar ao longo da vida será, do ponto de vista deste estudo, um imperativo categórico para o cidadão do novo século, porque dando ele o exemplo aos seus concidadãos, justamente pelo trabalho produtivo, qualquer que seja a actividade profissional, estará em condições para exigir dos seus semelhantes igual procedimento. Desta atitude laboral pode e deve partir para outras formas de intervenção na sociedade, para o que carecendo de preparação adequada, esta já não lhe será custosa, porquanto a sua mentalidade e experiência de vida o ajudam a superar eventuais dificuldades de adaptação. Ao longo da vida o cidadão, em condições normais, terá oportunidade para ser útil a si e à sociedade, trabalhando, estudando, praticando, actualizando-se e capacitando-se para as tarefas quotidianas que produzem bem-estar pessoal e colectivo.
A obrigação de trabalhar ou o direito ao trabalho são disposições que, independentemente da lei que assim determina, decorre de uma atitude ético-cívica que a todos compete assumir, quando e enquanto verificadas que estejam as condições físico-intelectuais do cidadão. Defende-se, desde sempre, a liberdade para desempenhar as tarefas que mais lhe satisfazem a auto-estima e também a situação financeira, precisamente, enquanto as principais capacidades assim o permitirem.
Nesse sentido se pronunciou já o autor de referência, segundo o qual “A qualquer morador deve ser lícito exercer a profissão que lhe agradar, e pelo modo que lhe parecer mais conveniente, com tanto que prove perante as competentes autoridades, como efectivamente se acha matriculado em algumas das profissões compreendidas nos três estados de comércio, e indústria e serviço público, na forma que for determinada na lei.” (FERREIRA, 1836: 56)
Com tais princípios, a sociedade portuguesa da primeira metade do século XIX, não aceitava, segundo o pensamento Silvestrino, que os cidadãos não tivessem devidamente identificada a fonte dos seus rendimentos para fazerem face à própria subsistência, o que equivalia a que o cidadão pertencesse a uma determinada profissão, integrada numa classe profissional e, se assim não ocorresse, tal cidadão era considerado um vagabundo e ficava incurso em processo de contravenção. Com estas disposições legais atingiam-se dois objectivos: punição dos vagabundos; e a inscrição profissional numa dada classe como reconhecimento das capacidades para o exercício da profissão que, livremente era escolhida, dependendo o seu exercício da verificação das necessárias competências. (cf. IBID.157)
Um terceiro objectivo estava implícito nas medidas preconizadas por Pinheiro Ferreira, porque se permitia a inscrição em duas ou mais profissões, apenas se exigindo que em qualquer delas o cidadão fizesse prova dos conhecimentos específicos. Além disso, o cidadão teria de comprovar que pelo exercício de uma profissão auferiria o correspondente a pelo menos um terço do que é necessário para a sua subsistência.
Por último, as pessoas que não reunissem condições para se matricular em uma profissão, seriam colocadas em presídios de desterro, menos rigorosos e destinados aos vadios, ficando isentos destas medidas mais gravosas, os indivíduos em relação aos quais não se lhes reconhecia cultura ou cujas causas da sua insuficiência não lhes eram imputáveis e, nesta última situação, seria o governo a empregá-los em função das suas capacidades e utilidade, não só para as próprias pessoas como também para a comunidade. (cf. FERREIRA, 1834c, in PAIM, 1987c: 33)
Os preceitos delineados pelo aludido autor, na sua época e em certos aspectos podem, hoje, incomodar pela rigidez e desumanidade. O cidadão que se defende para a época actual tem que ser o primeiro a dar o exemplo, pelo trabalho digno, honesto e produtivo. Para que isso aconteça é necessário que: por um lado, se prepare técnica e culturalmente; por outro lado, as empresas públicas ou privadas devem desenvolver e manter as condições para absorver todos os cidadãos que podem trabalhar, seja no país de origem, sejam no estrangeiro.
Ao nível da empresa, entra o cidadão empresário, administrador ou director que, também ele preparado para a cidadania, facultará a admissão do candidato a um posto de trabalho dentro das vagas disponíveis, reunidas que estejam as condições necessárias.
Seria desejável que entre as condições consideradas necessárias, para além dos conhecimentos teóricos, técnicos e experiência, o candidato demonstrasse preparação cívica, boas-práticas no relacionamento com superiores hierárquicos e colegas, para que o bom ambiente na empresa seja um estímulo à competência, à produtividade e ao bem-estar de todos.

Bibliografia

CELESTIN, Jean-Bernard, (2002). A Qualidade do Emprego, Lisboa: Direcção-Geral do Emprego e Formação Profissional. Colecção Cadernos de Emprego, (37), p. 65.
COIMBRA, Joaquim Luís, et al, (2001). Formação ao Longo da Vida e Gestão da Carreira, Lisboa: Direcção-Geral do Emprego e Formação Profissional. (Colecção Cadernos de Emprego, nº. 33).
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834c) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol II, Tomo III, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier,
KOVÃES Ilona (Coord), (1994). Qualificações e Mercado de Trabalho, Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional, Colecção Estudos, (13), p. 138.
PAIM, Antônio, (1987c). “Filosofia Brasileira: Indicação para Continuidade de Pesquisa”, in Paradigmas: Revista de Filosofia Brasileira, Londrina: Centro de Estudos de Londrina, Vol.1, (1), pp.32-43.
SANTOS, Américo Ramos dos (Coord), et al. (1994). As Empresas e a Dinâmica das Profissões, Lisboa: SOPETI – Sistema de Observação Permanente do Emprego, Tecnologia e Inovação e CISEP – Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa – Instituto do Emprego e Formação Profissional, Julho/1993. Colecção Estudos, (12)
SANTOS, Victor, (2001). “Educação/Formação e Cidadania, Construção de Competências Pessoais e Profissionais para o Trabalho”, in II Encontro Internacional de Formação Norte de Portugal/Galiza, Porto: Instituto do Emprego e Formação profissional.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

sexta-feira, 4 de março de 2011

Formação Ético-Moral

Confunde-se, a muitos níveis do conhecimento e das diversas actividades, a ética com a moral e, por vezes, estes vocábulos são utilizados indistintamente, sem se reflectir na genuinidade dos seus conceitos e na correspondente aplicação prático-teórica dos mesmos.
Na verdade, são noções diferentes que, em última análise, se podem aceitar como complementares, mas que não são iguais, porque, grosso modo, se a ética respeita a uma parte da filosofia que se preocupa com a reflexão acerca das noções e dos princípios que fundamentam a vida moral, isto é: analisa criticamente os actos que envolvem moralidade; a moral, por sua vez, constitui-se no conjunto de costumes e juízos morais de uma pessoa ou da sociedade e que tem subjacente um carácter normativo, no sentido de orientar a acção humana, no respeito pelo cumprimento dos deveres, em ordem ao bem e ao mal. As normas da moral são livres e conscientemente aceites e facilitam o relacionamento dos indivíduos nas respectivas comunidades.
Partindo desta distinção dos conceitos e simplificando a descrição dos mesmos, no sentido de uma interpretação prática, dir-se-ia que a moral age e a ética pensa. Invertendo os termos, considera-se necessário que o novo cidadão, primeiro pense e depois aja, daí a formação ético-moral aqui preconizada.
Não se pretende com esta ordem dos elementos aniquilar a força dos sentimentos se, sempre que se tiver de agir, se tenha primeiro que pensar, até porque, existem circunstâncias na vida que pela sua magnitude e profundidade, no que possa afectar a vida individual, familiar, social, ou de outra natureza do homem que, alegadamente, não haverá tempo nem vantagens para pensar, porque se é levado pela emotividade e pela emoção das situações que, entretanto, se criaram, independentemente das consequências que, posteriormente, possam resultar dos actos, quer contra uns, quer contra outros dos intervenientes.
Por outro lado, para não se ser excessivamente sentimentalista e emotivo, de facto pode-se cair num certo materialismo calculista e oportunista se, previamente, mesmo em situações de quase-limite, se analisarem desapaixonada e friamente todas as consequências possíveis de uma futura e imediata intervenção numa dada situação.
Poder-se-á tratar de um dilema que o cidadão procurará resolver, face a variáveis que lhe são intrínsecas, das quais se destacariam: os seus interesses pessoais, a familiaridade com a situação, as pessoas envolvidas e a oportunidade da solução a adoptar, todavia, quer pense primeiro e aja depois, quer faça o contrário, terá de estar preparado para assumir as responsabilidades das consequências das suas decisões, podendo sempre ser criticado na perspectiva moral ou na perspectiva ética.
Inferir-se-á que qualquer que seja a posição assumida, o indivíduo deve estar preparado para que possa enfrentar com serenidade e autoridade as reacções vindas das pessoas afectadas pela decisão. Evidentemente, não se pode exigir ao cidadão que tome posições virtuosas, perfeitas.
Deseja-se que o cidadão tenha em atenção todas as consequências possíveis e que opte por decisões que, em consciência, considere moral e eticamente justas, não podendo em caso algum ignorar que: “Cada sociedade estimula alguns comportamentos, por considerá-los adequados, e sujeita outros a sanções de diversos tipos, desde um olhar de reprovação até ao desprezo ou a indignação.” (ARANHA, 1996: 119)
A característica ético-moral do cidadão do futuro, no sentido em que seja formado para, tal como dizia Silvestre Ferreira, poder “discorrer com acerto e falar com correcção” será, naturalmente, uma constante na sua vida. Se assim proceder certamente que existirão melhores condições para dar um contributo muito significativo à sociedade porque, em tudo que se diz e se faz, deve-se exercitar um comportamento ético, ainda que, posteriormente, se tenha que corrigir para melhor, as posições antes assumidas.
O cidadão cuja estrutura assenta numa formação ético-moral, poderá ser, no futuro, o principal interveniente na construção ou, se se quiser, na reconstrução de uma sociedade onde todos os indivíduos se sintam relativamente realizados, nas diversas dimensões do ser humano.
A formação ético-moral aponta desde logo para uma atitude de prudência, quaisquer que sejam as situações a enfrentar, para o que se exige uma persistente e prolongada habituação e, simultaneamente, um rigoroso auto-controle face às inúmeras circunstâncias que, caso a caso, rodeiam, precedem ou envolvem os comportamentos e decisões que sejam necessários assumir, porque: “Assim como a razão teórica precisa do hábito da ciência para exercer bem a sua actividade na ordem do conhecimento, do mesmo modo a razão prática precisa ser determinada por um hábito para poder exercer o juízo correcto sobre o que o homem deve fazer nas situações concretas da sua existência. Tal virtude é a prudência, que ilumina a acção, regulando-a e servindo de critério da sua qualificação moral.” (NOGUEIRA, 2000: 40)
Será legítimo inferir-se a ideia segundo a qual, o cidadão que se pretende para a sociedade, congregue em si características pelas quais sejam dadas garantias de que as organizações: políticas, económicas, sociais, empresariais, religiosas e outras, venham a ser orientadas por homens e mulheres moderados, prudentes, sábios, no sentido da tolerância e da equidade.
Um perfil desta categoria, certamente que se encontra, cada vez mais em pessoas que, a partir da Família, da Escola, da Igreja e do Trabalho, adquiram hábitos e desenvolvam competências para o exercício corrente das virtudes correspondentes.
Ao adoptarem-se medidas que visem implementar valores consentâneos com aqueles requisitos, no espírito das crianças e jovens, deseja-se que daqui a duas ou três décadas a sociedade esteja bem melhor, em todos os sentidos. Com efeito, a preparação de base é um primeiro e muito importante passo na formação e consolidação de um novo cidadão.
Bem se sabe que é um processo lento, que não produz resultados visíveis e influenciadores da opinião pública, pelo menos em períodos críticos, no curto prazo, e que, eleitoralmente, pode até ser perigoso para certas correntes político-ideológicas. Acredita-se que este é o caminho mais seguro a percorrer e que, mais tarde ou mais cedo, os responsáveis encetarão sem hesitações.
Indubitavelmente prova-se à saciedade que o mundo se harmoniza menos com as armas do que com o diálogo; cada vez a razão da força é menos eficaz do que a força da razão e esta reside em personalidades equilibradas, moderadas e experientes. Contra um certo voluntarismo generoso dos jovens é necessária a temperança dos mais velhos e nesse sentido defende-se uma profícua troca de conhecimentos, atitudes e projectos entre as gerações mais novas e as que já se encaminham para o seu fim natural.
Uma estratégia desta natureza implica uma preparação sólida, na defesa dos valores essenciais à vida em sociedade, até porque o homem é cada vez mais um ser dependente, conivente com os seus semelhantes e cúmplice nas acções que desenvolve, quer por adesão quer por omissão, por isso mesmo considera-se fundamental uma sensibilização para a conduta ético-moral, que se imponha, qual imperativo categórico kantiano e constitua, nos dias de hoje, um suporte insubstituível para as boas práticas porque: “Os seres humanos sentem, regra geral, um desejo inextinguível de um apoio e de algo em que possam confiar: num mundo tecnológico tão dificilmente apreensível e complexo como o nosso e no meio dos erros e incertezas da sua própria vida privada, os indivíduos procuram definir uma posição, seguir directrizes, dispor de bitolas, de um ideal – em resumo; os seres humanos sentem necessidade de possuir algo como uma orientação ética de base.” (KÜNG, 1990: 62)
Possivelmente, esse “algo” consiste numa formação sólida para a interiorização e aplicação consequente dos valores ético-morais de que se poderiam destacar alguns com significado actual: a lealdade como condição para um relacionamento humano aberto, sincero e profícuo; a honestidade enquanto comportamento transparente para evitar o aproveitamento indevido de bens que, eventualmente, são de todos ou que a eles não se teria direito por nenhum processo legal e legítimo; a moderação como acção na resolução de diferendos, através da qual se procurará harmonizar posições a partir do que cada um pode apresentar em comum com o seu semelhante. A prudência enquanto atitude que se preocupa com as consequências dos juízos de valor, das acções e intervenções precipitadas.
 Outros valores (ou virtudes), porventura, poderiam aqui ser mencionados, mas o que verdadeiramente importa é a formação ético-moral do cidadão partindo do princípio segundo o qual: “O reconhecimento do valor da pessoa na sua dignidade constitui a base de toda a vida ética. Sem ela não há convivência humana aceitável. Isto mostra toda a seriedade da questão ética. (…) É preciso redescobrir a acção humana como acção regrada, quer dizer, dirigida segundo uma ordem de valores irredutíveis à pressão social. (…) Quando desenvolvemos o senso desses valores estamos desenvolvendo o respeito da dignidade da pessoa “ (NOGUEIRA, 2000: 35)
Se cada um se preparar para o respeito e consideração devidos ao outro e a todos, então o novo cidadão e todos os cidadãos alcançam um bem inestimável, que conduzirá ao benefício que outros valores se associam à dignidade. Sobre os Homens e Mulheres de hoje, recaem as responsabilidades de formação deste novo cidadão, porque: “A cooperação entre as mulheres e os homens – não a guerra de sexos em função de lugares ou de poderes – dará lugar a uma nova forma de contrato social, um novo contrato de género, essencial para a Democracia.” (ALIANÇA PARA A DEMOCRACIA PARITÁRIA, 2003:42)

Bibliografia

ALIANÇA PARA A DEMOCRACIA PARITÁRIA, (2003). Afinal o que é a Democracia Paritária? 3ª Edição, revista e actualizada, Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres/Presidência do Conselho de Ministros. (Colecção Informar as Mulheres)
ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna.
BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002). “Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro” Dissertação de Mestrado, Braga: Universidade do Minho, Lisboa: Biblioteca Nacional, CDU: 1Ferreira, Silvestre Pinheiro (043), 342.7 (043).
BARTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2009). Filosofia Social e Política, Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, Direitos Humanos e Relações Interpessoais, Tese de Doutoramento, Bahia/Brasil: FATECTA – Faculdade Teológica e Cultural da Bahia:;
KUNG, Hans, (1990). Projecto para uma Ética Mundial, Trad. Maria Luísa Cabaços Meliço, Lisboa: Instituto Piaget.
NOGUEIRA, João Carlos, (2000). “Racionalidade Prática e Teoria das Virtudes em Tomás de Aquino”, in Reflexão, Campinas: Instituto de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, (77), Maio/Agosto, p. 40.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

terça-feira, 1 de março de 2011

Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro para o Século XXI

Quando falamos em Direitos Humanos, referimo-nos a direitos que, independentemente das nossas vontades, acordos pessoais ou normativos jurídico-legais, nos atribuímos, tacitamente, uns aos outros. Uma fundamentação possível para os Direitos Humanos, pode-se buscar no princípio da moral do respeito universal. Resulta que o reconhecimento dos Direitos Humanos significa a segurança de um conceito simples de Justiça, que é anterior a qualquer diferenciação entre indivíduos.
  Modernamente, compreende-se melhor a problemática dos Direitos Humanos, quando estudados no sentido evolutivo. Nesta metodologia, consideram-se três concepções de Direitos Humanos: 1 – Na concepção idealista, fundamentam-se na metafísica e na abstracção, fontes da escola do direito natural, que defende os Direitos Humanos como inerentes ao próprio homem, ou surgem pela força da natureza humana; 2 – Na doutrina positivista constituem direitos fundamentais, sempre que reconhecidos pelo ordenamento jurídico do Estado; 3 – Na perspectiva crítico-materialista, procura-se o carácter histórico-estrutural para a sua fundamentação.
Paralelamente, também se estabeleceram três gerações de Direitos Humanos: 1 – Resultado das lutas da burguesia revolucionária, assente na filosofia iluminista e na tradição doutrinária liberal, contra o despotismo dos regimes absolutistas. São os direitos civis e políticos, individuais, face à condição natural do homem; ([1]); 2 – Denominam-se por direitos sociais, económicos e culturais. Pressupõem a intervenção do poder do Estado, que deverá legislar no sentido de proporcionar as condições para um efectivo exercício; ([2]) 3 – Os Direitos Humanos da terceira geração, situam-se ao nível das reivindicações e vitórias democráticas do povo, expressando desejos que toda a humanidade tem, porque se deveria caminhar para novos espaços de liberdade, igualdade, solidariedade, desenvolvimento, meio ambiente saudável, fruição do património cultural, histórico e paisagístico comum à humanidade, o direito à autodeterminação dos povos e à livre circulação e fixação das pessoas. O espaço ecuménico é de todos. ([3])
A História dos Direitos Humanos começa a ser escrita sob várias perspectivas, com diversos contributos, invocando as características dos povos, tradições, hábitos e culturas. A título meramente exemplificativo, reconhecemos que o povo brasileiro, na sua maneira própria de estar no mundo e na vida e no seu carácter, poderá definir-se, provisoriamente e salvo outras opiniões, a partir de características afectivas e místicas.
Ainda que invocando influências da cultura Ibero-Ocidental, a magia indo-africana está patente na sua sensibilidade para os mistérios sobrenaturais. Por isso, o povo brasileiro não deverá perder a visão humanista que já revelou pelo mundo, nem deixar de cultivar as suas raízes histórico-afectivas, e não se deixar envolver demasiado com outros valores de índole individualista-materialista, egocêntrica que, mais tarde, poderá redundar em seu próprio prejuízo.
Em Portugal, a sensibilização para os Direitos Humanos, a vários níveis: privado e público, ainda não é a que desejaríamos ter. Com efeito, a sociedade portuguesa, tem vindo a percorrer um longo caminho, que cobre um percurso compreendido entre extremos, de tal forma que, a breve trecho, poderemos cair numa tecnocracia desumana, onde os valores essenciais à dignidade da pessoa humana não são igualmente comungados por: governantes e governados; patrões e empregados; superiores e subordinados (hierárquica, funcional e organicamente considerados); homens e mulheres; crentes e não crentes; professores e alunos; nacionais e estrangeiros.
A problemática dos Direitos Humanos é, certamente, complexa, desde logo porque os direitos do homem não são a principal resultante e o sinal mais significativo da relação entre o Poder e a Pessoa. O problema é que, durante muito tempo, quer a filosofia política, em particular; quer as ciências sociais e humanas em geral, negligenciaram a pessoa humana, os seus direitos e prerrogativas para se ocuparem preferencialmente do Poder, porque, efectivamente, a nossa época comporta a crise resultante de não podermos mais supor uma verdade única, não podemos fecharmo-nos no dogmatismo: o mundo e a verdade são plurais; a diversidade de culturas atesta a singularidade do homem; a fidelidade às próprias origens torna possível a abertura ao outro.
Num outro espaço privado, diríamos que a família é o anteparo mais seguro da liberdade do homem, em face do Estado, ou dos grupos sociais que pretendem erguer-se em detrimento dos Direitos Humanos. É o meio onde o homem exercita a primeira magistratura, sentindo-se responsável. Quaisquer que sejam as origens para a fundamentação dos Direitos Humanos, elas estarão em primeira instância, na personalidade humana. O resto, o sentido dos Direitos Humanos, consiste, exactamente, em recuperar a existência do indivíduo como uma realidade absoluta e inquestionável. Nesta perspectiva, o fundamento dos Direitos Humanos, é a vida humana como valor absoluto, logo, nenhum ser humano tem direito de dispor da nossa vida.
         O autor nuclear, que está na origem do presente trabalho, Silvestre Pinheiro Ferreira, a partir do qual, a problemática dos Direitos Humanos contínua, através do pensamento que nos legou, sempre presente e citado ao nível do estudo das relações luso-brasileiras, bem como no que concerne à elaboração das normas constitucionais dos dois países irmãos.
         A caminhada de aproximadamente quinhentos anos, de história comum, Brasil-Portugal, comungando a mesma língua, permitiu aos dois povos envolverem-se numa cumplicidade de ideais, essencialmente ao nível do povo anónimo. Um certo companheirismo também tem estado presente ao longo do percurso histórico.
Na etapa final desta longa e, por vezes, atribulada corrida, surgiria, justamente, o filósofo, o publicista, o diplomata, o professor e o político que foi Silvestre Pinheiro Ferreira, cujos direitos naturais ou absolutos, por ele defendidos, o povo brasileiro verteu para a sua constituição política de 25 de Março de 1824, conforme preceitua o seu artigo 179º. “A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm por base a liberdade, a segurança e a propriedade é garantida pela Constituição do Império...” e, na actual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de Outubro de 1988, o artigo 5º estipula: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
         Que maior honra, que melhor homenagem, que outras comemorações poderíamos realizar do que as que se acabam de mencionar, a partir dos textos constitucionais do Brasil: um, de há mais de 180 anos, quase dois séculos; outro, nosso contemporâneo, actualizadíssimo? Brasileiros e Portugueses, irmanados pela História, pela Língua e por antepassados ilustres comuns, estão, pois, de parabéns porque têm demonstrado ao mundo o esforço dispendido, no sentido de continuarem a aprofundar e implementar as melhores soluções, para os problemas resultantes, das ainda muitas violações dos Direitos Humanos, num universo de mais de duzentos milhões de falantes da língua portuguesa que, sendo uma das línguas oficiais mais usada no mundo, constitui, por esse facto, um excelente veículo para a divulgação e respeito pelos Direitos Humanos.
         Concluiria, de forma muito pessoal e sentida, invocando a múltipla qualidade de cidadão, professor, ex-autarca, aluno, integrado numa família, numa língua e imbuído do espírito humanista moderno, apelando, desde logo, à comunidade mundial civil, aos governantes de todos os níveis e esferas do poder, para que se reforcem os mecanismos legais de sensibilização e de apoio, para que se reduza drasticamente esta permanente poluição que se denomina por “Violação dos Direitos Humanos”.
Pela minha parte, apenas aguardo que me sejam facultadas as oportunidades, principalmente através do ensino/educação/formação profissional para reforçar, ainda mais, o meu empenhamento e envolvimento na defesa dos Direitos Humanos, seja em Portugal seja no Brasil ou em qualquer espaço onde possamos pensar, falar e compreender em português.
Parece-me importante o apoio oficial a projectos que apontam nesta direcção. O autor deste trabalho, em conjunto com outros colegas de profissão, tem, seguramente, ideias, planos e condições científico-pedagógicas para concretizar, projectos aos níveis: concelhio, distrital, nacional; também no contexto da CPLP e junto das comunidades portuguesas no estrangeiro.
É necessário que surjam os apoios oficiais a desígnios desta natureza.  

Bibliografia

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834b) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol I, Tomo II, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier,
FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1840) “Projecto de Associação para o Melhoramento da Sorte das Classes Industriosas”, in José Esteves Pereira, (1996) (Introdução e Direcção de Edição) Silvestre Pinheiro Ferreira, Textos Escolhidos de Economia Política e Social (1813-1851). Lisboa: Banco de Portugal.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Portugal: http://www.caminha2000.com/ (Link Cidadania)

[1] Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) considerava direitos naturais ou absolutos: liberdade individual, segurança pessoal e propriedade real
[2] A este nível, Silvestre Pinheiro Ferreira, legou-nos tais escritos através dos seus projectos de constituição de associações, bancos, participação em colectividades culturais, como foi a Academia de Letras, da qual foi presidente.
[3] O papel de Pinheiro Ferreira no quadro destes direitos foi notório, desde logo na defesa da liberdade em diversas vertentes, a constituição de associações de socorro mútuo e o reconhecimento da independência da Argentina bem como a defesa da autodeterminação do povo brasileiro, ainda que numa fase crítica e irreversível da História de Portugal.