O Homem vive no mundo, movendo-se no espaço e
existindo no tempo. E, se por um lado, o espaço o situa no meio natural que o
rodeia; o tempo, dá-lhe um passado histórico, constituindo ambos uma espécie de
estrutura dialética que, logicamente, vai ditando o futuro desse mesmo Homem.
Esse mundo concreto, histórico-linguístico, onde a
experiência e a compreensão têm papéis relevantes, constitui o horizonte no
qual o Homem se realiza, e se compreende a si mesmo, no mundo.
Note-se, porém, que pelo fato de o Homem se
realizar como um todo no horizonte do ser, o seu mundo é um mundo humano e a
sua história, uma história humana. Por outras palavras, a sua realização, como
Homem, em todo o horizonte do ser, só é possível porque o Homem está aberto ao
ser que, por sua vez, se lhe revela em todas as coisas e sucessos do seu mundo
histórico.
O ser é, portanto, o supremo, incondicionado e
ilimitado horizonte, para o qual nos dirigimos continuamente, mas sem jamais o
podermos alcançar plenamente. Como condição do horizonte do mundo está o
supremo e incondicionado horizonte do ser que, além de penetrar o mundo,
transcende-o, abrindo-se à autorrealização do Homem no mundo.
O Homem vê-se, assim, envolvido no seu quotidiano,
com o problema hermenêutico da intelecção da existência humana no mundo, e com
o problema metafísico do ser como horizonte global: do perguntar e do saber; do
querer e do operar humanos; horizonte esse supremo e incondicionado, onde a
diversidade histórica dos diferentes mundos de experiência e compreensão, vai
buscar o seu condicionamento e entendimento.
Por mais que o Homem se debruce sobre o seu mundo
humano de experiência e compreensão, jamais o abarcará na sua “Totalidade do
Ser”. Cada pergunta que faz sobre a realidade do mundo, só obtém respostas
parciais e limitadas, a ponto de se poder afirmar que todo o saber revela
ignorância ou, se quisermos, todo o saber é “ignorância que sabe”.
É, todavia, a consciência dessa ignorância que
leva o Homem a ulteriores perguntas, permitindo-lhe não só ampliar o nosso
mundo mas ainda, transcende-lo. Com isso, o nosso mundo não deixará de ser
limitado. No entanto, a irrequietude da inteligência humana, traduzida nas
perguntas que continuamente se sucedem, sobre o nosso mundo de experiência e de
compreensão, leva-nos à conclusão de que esse mesmo mundo não pode constituir,
fundamentalmente, o último horizonte do perguntar e do entender humanos. É
assim que o condicionado nos leva ao incondicionado, o relativo nos revela o
absoluto. Chegamos, então, a Deus.
Qual Deus? O Deus da Fé Cristã? No mundo da
compreensão do Homem atual ainda fará sentido falar de Deus? Não terá esta
palavra perdido todo o seu significado? Repare-se que não se trata aqui de
aduzir provas a favor ou contra a existência de Deus, nem muito menos de
esclarecer se com este ou aquele argumento se pode demonstrar a existência de
Deus. Trata-se do próprio conceito de Deus. É, portanto, uma questão muito
anterior e muito mais fundamental.
No passado, quando se falava de Deus, entendia-se,
imediatamente, o Deus da fé cristã, que a Teologia e a Filosofia Cristãs
apresentavam num horizonte comum de inteleções. Mesmo quando os protestos se
erguiam contra Deus se entendia, univocamente, num horizonte comum de
compreensão, em sentido cristão.
No entanto, é forçoso reconhecer que, pouco a
pouco, o tal horizonte comum de compreensão foi-se dissipando: ora envolto nas
diferentes formas de ateísmo; ora esbatido em conceções que apresentam
alterações muito concretas e determinadas. Note-se, porém, que não se trata,
muitas das vezes, de meras invenções arbitrárias, nem tão pouco de uma má
intenção dos adversários da fé cristã.
Creio mesmo ser honesto reconhecer que, muitos dos
filósofos, que a história nos aponta como adversários do Deus do Cristianismo,
feita uma análise profunda das suas obras, constata-se, sem grande dificuldade,
que eles não eram “contra Deus”, nem tão pouco, bem vistas as coisas, contra a
fé em Deus, mas somente contra um Deus que “escravizava o Homem, humilhando-o e
privando-o dos seus direitos”.
Numa palavra, eram contra um Deus que privava o
Homem da sua liberdade e, portanto, da sua dignidade. Afinal, bem visto o
problema, eram contra Deus que não era O do Evangelho, pois sabemos bem que
Esse Deus não é despótico, mas, pelo contrário, respeita a liberdade do Homem.
Um Deus de Amor, diz-se. É, certamente, forçoso
reconhecer que muitas críticas dos adversários ao Deus da fé cristã, resultam
de representações e modos de expressar a fé em Deus, demasiadamente ingénuas,
sendo tais críticas uma sequência racional da própria ingenuidade com que se
vive essa mesma fé.
Por outro lado, também sabemos que, nos primórdios
da humanidade, o Homem para explicar os fenómenos da natureza, por mais simples
que fossem, recorria a Deus, não propriamente no sentido de última causa do
ser, mas como causa física, embora suprema.
Quando a Ciência no século XVII tomou um impulso
decisivo, que parecia fazer prever a resolução de todos os problemas do Homem,
à medida que se iam descobrindo as leis da natureza, deixava de ser necessário
recorrer a Deus, como uma causa, entre outras causas, que no mundo atuavam
imediatamente.
Não admira, por isso, que em nome da Ciência, se
negasse Deus. É que se confundia Deus com uma causa entre outras causas. Deus
era, então, uma mera hipótese suplementar, a que se continuava a recorrer
sempre que a explicação do mundo, por meras causas naturais, já não era
suficiente. E isto, com uma agravante, uma vez que tal hipótese suplementar não
era verificável, com os meios de que dispunha a investigação empírica.
Apesar disso, e por isso mesmo, sempre que devido
ao avanço da Ciência e dos seus métodos, essa hipótese caía por terra, aí se
levantava o coro daqueles que, em nome da Ciência, refutavam a crença em Deus.
Quem não tem presente a polémica surgida com a teoria da evolução de Darwin?
Não é possível a evolução das espécies, porque Deus tudo criou, dizia a fé
cristã, baseada na Bíblia. Mas se há evolução, então Deus nada criou e até é
inútil, dizia-se em nome da Ciência.
Quem teria Razão? A Ciência ou a Bíblia? Falar da
Razão, aqui, seria, talvez, falar dum vencido perante um vencedor. Mas, afinal,
a Bíblia e a Razão têm, no mundo da compreensão do Homem, o seu lugar próprio,
bem definido, que faz com que, longe de se contradizerem ou excluírem, antes se
completam, se encontram no horizonte aberto do ser, que faz com que o estar do
homem no mundo seja um estar de tensão contínua em Deus, e para Deus, com
realização plena do seu ser.
Não há dúvida que a constituição essencial metafísica
da existência humana, no mundo, se enquadra no acontecer da salvação que Deus
faz no mundo e na história. Não fora assim e teríamos o sobrenatural como uma
realidade que se acrescentaria, em plano secundário, à essência natural do
homem. Mas não.
Pelo contrário, a vida do homem é uma realidade
concreta, abarcada pela obra salvífica de Deus, porque Ele falou e a sua
revelação significa abertura da Sua ação através da Palavra. Se por um lado, o
Homem está aberto para ouvir a Palavra de Deus, por outro lado, essa mesma
Palavra só poderá ser entendida dentro do contexto de salvação em que foi
pronunciada, tendo em conta o Homem concreto, o Homem Histórico, bem definido
no espaço e no Tempo.
Para uma interpretação correta da Sagrada
Escritura, é preciso ter em conta que a Palavra fala ao Homem, numa palavra
simultaneamente humana e histórica. Daí resulta que a questão teológica acerca
do sentido salvífico da mensagem da Bíblia está, intimamente, ligada ao rosto
humano do autor material, histórico, das palavras.
Por isso mesmo, a doutrina da Bíblia terá que ser
vista à luz duma relação alternante que: por um lado, numa retrospetiva, nos
conduza à sua origem histórica; e, por outro lado, dê resposta ao problema da
salvação pessoal de cada um de nós.
Temos, assim, aquilo que alguns autores
classificam de “arco hermenêutico” em que a palavra de Deus, revelada no
passado, atinge a proclamação atual de fé, mediante a tradição da Igreja e a
reflexão teológica. A palavra de Deus penetra na fé e na vida do homem de hoje,
através duma interpretação histórico-linguística.
Pode-se, portanto, afirmar que entre a Fé e a
Ciência não há contradição. Nem pode haver. É que, sob prismas, embora
diversos, ambas se conjugam para uma compreensão total do ser. Apesar disso,
por ironia do destino, essa meta da compreensão total do ser não passará duma
meta ideal, que nunca será atingida, uma vez que o Homem só dispõe da medida do
finito, do relativo, para abarcar o infinito, o absoluto.
Por isso mesmo, quando o homem põe toda a sua
realização pessoal na ciência humana, fica atolado na sua ignorância. É que a
Ciência é um círculo fechado, constituída por leis e princípios que o Homem
descobre, constrói e utiliza, para compreender e explicar a realidade, mas não
é a própria realidade.
Portanto: para uns, a evolução da matéria orgânica
revela perfeição nos princípios porque se rege; para outros, como o biólogo
Jacques MONOD, (Jacques Lucien MONOD, 1910-1976, foi um biologista francês. Foi agraciado com o Nobel de
Fisiologia/Medicina
de 1965,
por descobrir atividades reguladoras no interior das células)
ela é fruto de programação genética.
Dando um salto do finito para o infinito, do
relativo para o absoluto, será caso para se afirmar: que Ser é esse que até de
erros faz brotar a perfeição e a beleza doutros seres? Será Deus? Se sim, então
vale a pena pensar Nele
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo