A complexidade da sociedade exige, de qualquer
cidadão, uma capacidade praticamente ilimitada para se adaptar às inúmeras
situações que, não só ao longo da vida, mas também num só dia, se apresentam. O
poder de flexibilização de comportamentos, dentro dos limites da dignidade, dos
princípios, dos valores e dos sentimentos, será tão necessário como o
cumprimento das mais elementares normas sociais, consuetudinárias e jurídicas.
Sobrevier numa sociedade onde diversos ”valores”
começam a crescer com muita força: sofisticação, aparência, soberba, domínio,
irresponsabilidade, hipocrisia, deslealdade, manipulação, entre muitos outros –
faz todo o sentido que as gerações mais velhas se esforcem por compreender as
alterações rápidas que tais “valores” implicam no relacionamento uns com os
outros, porque: «A predisposição natural
para nos relacionarmos, alimenta o motor da sobrevivência, contribui para a
vontade de viver e faz parte de um instinto de conservação. A nossa capacidade
para criar e manter laços de afeto é inata.» (MARCOS, 2011:57).
O relacionamento interpessoal, digno, verdadeiro,
coerente, assertivo e leal, genericamente considerado, é praticamente
impossível, admitindo-se, contudo, a sua possibilidade entre pessoas que pautam
as suas relações pelo respeito, pela reciprocidade e que entre elas exista um
sentimento de sincera e incondicional amizade, que estão sempre ao lado umas
das outras, em permanente defesa da honra, da reputação, com solidariedade e
mutualidade.
Uma sociedade como a acima descrita poderá parecer
uma utopia, pelo menos na sua análise total. O mundo dos humanos e dos
restantes seres nunca foi pacífico, nem coerente e muito menos alguma vez foi
perfeito, isto é sobejamente conhecido. Mas o que é que tem sido feito para se
alterar as situações mais degradantes que têm afetado a pessoa humana.
Claro que há conjunturas que o homem não prevê, e
se prevê não evita parte das consequências, quantas vezes, catastróficas para
grandes aglomerados populacionais – sismos, vulcões, tsunamis,
tempestades, furacões e outros fenómenos devastadores que a Natureza
desencadeia, sem “pedir licença” a ninguém.
Mas no que ao homem pertence fazer, o que é que ele
tem resolvido para evitar guerras, fome, criminalidade, injustiças, para além
de outras misérias como a prostituição, a pedofilia, o tráfico de menores, a
droga, a comercialização de armas? Que sociedade é esta que tendo entrado na
segunda década do século XXI, parece que caminha para a pobreza extrema, a
vários níveis, principalmente axiológicos e materiais?
Os detentores dos vários poderes: político,
económico, financeiro, empresarial, mercantilista e religioso que mandam e, alguns
dos quais até subjugam o mundo, sem dó nem piedade. A especulação e agiotagem
desenfreadas bem como todo um conjunto de práticas inadequadas, vêm conduzindo
os povos à mais degradante situação que um ser humano jamais deveria chegar,
porque todos têm direito à saúde, ao trabalho, à constituição de família com
dignidade, à velhice confortável e respeitável, à tranquilidade e à paz.
É evidente que a responsabilidade poderá ser um
pouco de todos, mas é, seguramente, na sua maior parte, dos detentores dos
diversos poderes, os quais deveriam ter a sensibilidade social e a formação
técnico-científica para resolverem os problemas existentes, e evitar que surjam
novas situações prejudiciais ao bem-comum. É, também, uma questão de
consciência moral bem formada e de boa vontade. No fundo é um problema de
cidadania.
Jamais haverá paz no mundo enquanto não forem repostas
as condições mínimas da dignidade humana que, como já foi referido, passam,
integralmente, pela manutenção dos mais elementares direitos de sobrevivência
da pessoa humana. É injusto e imoral retirar direitos a quem já os tinha e para
os quais contribuiu uma vida inteira e muito mais imerecido não alargar tais
direitos à totalidade da população.
Na verdade: «Praticar
a paz, fazer a paz viver dentro de nós é cultivar ativamente a compreensão, o
amor e a compaixão, mesmo em situações de confusão e conflito.» (HANH,
2004:8). Acrescenta-se que tais sentimentos e comportamentos, partindo de uma
pessoa e/ou grupo, terão de ser aceites e correspondidos pela outra pessoa e/ou
grupo, porque a reciprocidade é fundamental para o sucesso da felicidade
humana.
A sociedade atual corre, freneticamente, em busca
de tudo (e de nada). Os “valores” do “Ter”, sobrepõem-se aos do “Ser” pessoa
verdadeiramente humana. Procura-se o caminho mais curto, mais fácil, sem nenhum
obstáculo que impeça a maior velocidade possível para se chegar primeiro ao
alvo, não importando os meios, desde que os fins sejam alcançados.
O mundo como que parece que “foge”, que vai acabar
amanhã, criando uma mentalidade do “máximo rendimento para o mínimo de
esforço”. Mas, apesar de tantas dificuldades, de inúmeras situações de
injustiças, da existência de extremos radicalizados, ainda será possível
tentar-se, ao longo das gerações, presente e vindouras, alterar,
significativamente, o contexto global em que vive a humanidade, proporcionando
a todas as pessoas o que de mais elementar elas necessitam: saúde, trabalho,
educação/formação, habitação, lazer, segurança na velhice, paz, tranquilidade e
felicidade.
Bem se sabe que alguns dos valores agora enunciados
são relativamente subjetivos: paz e felicidade podem diferir em função da
condição social, política, religiosa, profissional, eventualmente, entre
outras. Em todo o caso, é necessário que os responsáveis pelos diversos setores
de atividade, avancem com medidas concretas, a bem de objetivos verdadeiramente
humanistas.
Ninguém, nenhum grupo, nenhuma comunidade e nenhum
país se pode fechar na sua “redoma”, porque a globalização, em quase todos os
domínios, é um facto irreversível, portanto, o poder de resiliência de todos em
geral e de cada um em particular é fundamental para, paralelamente, se mudar,
para melhor, a atual sociedade.
Provavelmente, começar a mudança pela
educação/formação será uma estratégia que em poucas décadas contribuirá para
alterar mentalidades, práticas e respetivos resultados. Talvez, e para começar,
seja pertinente implementar um conceito simples de “Felicidade Social”, seguida
das respetivas boas-práticas, delimitando-se, então, este interessante
conceito: «Aqui considera-se que todos os
seres humanos são iguais, não importado a cor, a etnia, raça, credo, religião,
nível social, cultura, poder económico, cargo político, fama, origem, aspeto
físico, capacidade ou habilidade. (…). A felicidade social é a expressão máxima
na saúde relacional social, pois eleva-se acima das restantes felicidades.
Tolerância, solidariedade, compaixão, sabedoria e não-violência fazem parte da
felicidade social.» (TIBA, 2002:72)
É evidente que neste período conturbado da História
da Humanidade se torna, para já, muito difícil, interiorizar este conceito de
“Felicidade Social”, e ainda mais complexo implementar e exercitar, cada pessoa
em particular e a sociedade em geral, para as práticas necessárias em ordem a
viver-se com “Felicidade Social”, porém, esta felicidade, há que o reconhecer,
também inclui outros tipos como as felicidades: egoísta, familiar, comunitária,
igualmente, entre outras possíveis.
Independentemente do tipo de sociedade em que se
deseje viver, dos seus conteúdos, dos seus valores, práticas e objetivos, há
dimensões da pessoa humana que são essenciais para uma sociedade moderna, justa
e feliz.
Há princípios, valores e sentimentos que não podem
ser ignorados, sob pena de a pessoa se transformar num animal qualquer, ou num
simples objeto que, depois de utilizado, se atira para o lixo ou, na melhor das
hipóteses, faz-se a sua “reciclagem”.
Deve-se, portanto, caminhar para uma sociedade de
regras, de princípios, de valores, de sentimentos, numa perspectiva altruísta,
em que o bem seja praticado, reconhecido e retribuído, sempre com mais e melhor
qualidade e rigor, numa sociedade governada por pessoas sensíveis à dignidade
humana, bem-formadas, ética e moralmente, com experiência, em suma, pessoas
sábias e humildes, porque assim se chegará à “Felicidade Social”.
Bibliografia
HANH, Thich Nhat, (2004). Criar a Verdadeira Paz.
Cascais : Pergaminho
MARCOS, Luís Rojas, (2011). Superar a Adversidade, O Poder
da Resiliência. Trad. Maria Mateus. Lisboa: Grupo Planeta.
TIBA, Içami, (2003). Quem Ama, Educa! Lisboa:
Pergaminho.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com