O autor das “Cartas sobre a Educação Estética da
Humanidade”, transmite, nesta sua obra, um depoimento da sua própria vivência e
inteligência, dando forma à sua interpretação do mundo humano, apontando o rumo
para uma nova humanidade, através de um estado estético que ele designou por
“Terceiro Caráter”.
Schiller mostra inequivocamente o seu entusiasmo
pelo belo e pela arte, que ele relaciona intimamente com a felicidade e com a
política, defendendo a posse da cultura pelo homem, já que só ela o pode encher
na sua totalidade e, assim, se enobrecendo, atingirá a liberdade plena, em
êxtase de maravilha estética. Schiller considera que a necessidade material é um
mal social, que destrói, sistematicamente, os povos e a sua liberdade, pelo que
a sua ascensão ao mundo das ideias e à razão levá-los-ia a abandonar a
realidade objectiva.
Ele defende que é necessário conseguir-se a harmonia
dos indistintos e das forças, que congregam a totalidade do carácter, por isso,
entende que a liberdade provém da cultura estética, que existe pela união do
impulso objectivo e do impulso formal, na unidade das ideias, que tem a sua
base no impulso do jogo do homem, que o leva assim a tornar-se homem completo
pela união da razão e da sensibilidade.
Nas suas primeiras cartas é aglutinante o tratamento
de uma certa filosofia de estado, o qual é para Schiller aquele em que o homem
é natureza, interessando o estado que insere o homem como um ser moral. É pela
mediação entre estes dois estados que surge o Estado Estético que provém da
transformação do homem físico em homem moral, através do “Terceiro Caráter”.
É interessante sublinhar que neste último estado,
admitido por Schiller, o comportamento moral é natureza e os impulsos naturais
concordam com a razão. O autor pretende que o estado deve
ter como objectivo fundamental a unidade, não desprezando, no entanto, a
multiplicidade, devendo procurar estabelecer um reino de moral, sem
marginalizar o reino sensível dos indivíduos singulares.
Nas
suas Cartas Schiller critica fortemente
a sociedade do seu tempo e, apesar de ter sido galardoado pela posição assumida
antes da Revolução Francesa, não acolheu com entusiasmo os factos políticos,
passados na altura.
É duro nas suas considerações relativamente aos
antagonismos que geram conflitos. Enaltece o homem grego e o seu ideal,
encontrando nele um conjunto de virtudes perfeitamente contrastantes com o
homem da sua época, que está alienado e fragmentado na sua individualidade
pessoal.
Todavia, considera esta fragmentação como o meio
adequado para a evolução da espécie, sendo pelo equilíbrio que a felicidade se
obtém, propondo que não nos devemos considerar degraus para aproveitamento de
gerações futuras porque são de sacrifício.
Acredita que o estado que chama de atual não pode
remediar os males que causou nem que o estado ideal possa gerar uma humanidade
de moralmente perfeita, pois é esta que deve criar o Estado Ideal. O estado
deve abandonar por completo o barbarismo, a conflituosidade, padrões de perda
do valor humano, procurando melhorá-lo pela sublimação do poder estético, pela
Arte. O mesmo Estado deve exaltar o artista, atribuindo-lhe o estatuto de guia
de certo grau de espiritualidade, que atinja o Bem e a Verdade, através da
Beleza.
O
idealista não pretende a comunhão do espírito e da matéria, mas sim a separação
da ideia da realidade. Na opinião do autor, são a brutalidade física do
selvagem e a decadência do bárbaro culto, que sufocam a beleza. Para Schiller, a pessoa e o Estado são conceitos
formativos da natureza humana, aos quais correspondem dois impulsos
fundamentais: o impulso material ou objetivo e o formal ou subjetivo.
O impulso material vem dos sentidos que o converte
em matéria, e é através dele que despertam as atitudes da humanidade que não se
completam; o impulso formal provém da natureza racional do homem, e que o leva
à liberdade, ajudando-o a afirmar-se como pessoa e a libertá-lo do quotidiano,
fazendo com que ele ascenda a uma vida superior.
No impulso do jogo, a Beleza completa o homem pela
união da sensibilidade e da razão. No fenómeno, o belo é a forma viva e a
beleza transforma-se em liberdade. Para se obter o equilíbrio entre o impulso
sensível e o formal é necessário que atue o impulso lúdico, o qual dá ao homem a
liberdade ao emancipar-se do natural e da razão.
Se tal impulso se desfaz, resultam duas classes de
beleza: se a preponderância é da matéria verifica-se uma beleza melodiosa; se é
a forma que predomina, há uma beleza enérgica. Com a perda do equilíbrio o
homem também perde a liberdade, pois de um impulso fundamental se torna
imperativo, o homem sente-se coagido, violentado, porque a sua liberdade só
existe na atuação conjunta das suas duas naturezas.
O estado estético é o intermédio a esse equilíbrio,
porque nele atuam conjuntamente a sensibilidade e a razão, ou seja, a Beleza.
Para Schiller, não é possível atingir-se a liberdade sem se enveredar elo
estético, através da beleza, porque só a Estética nos conduz ao infinito, ao
absoluto. É a Beleza que estabelece a totalidade do humanismo e, nesse sentido,
só a educação estética pode dar à humanidade, qualquer que seja o tipo de
sociedade, a harmonia de que precisa e da qual o indivíduo é o seu suporte.
É a Beleza que une a sociedade, porque ela diz
respeito a todos. Sob o aspecto político a liberdade e a igualdade não provem
um estado, como o resultado da Revolução Francesa, acrescentando na última
carta que no estado estético cada um é um cidadão livre.
Parece existir na obra de Schiller uma convergência especulativa
da poesia e da moral, na qual o seu ideal estético pode ser considerado como
estrutura necessária ao estabelecimento de uma sociedade política, onde a
natureza humana deveria conter no seu seio o “Homem Estético”, isto é, aquele
que se pode tornar, ele mesmo, numa obra de arte, em forma viva, em “bela
alma”.
O homem deveria elevar-se do meio físico, que o
procura escravizar, ao estado lúdico em que ele é soberano e coincidente no seu
todo. Ao desligar-se da realidade e ao não subjugar-se aos seus efeitos,
conquista a liberdade pela arte, subindo a um Olimpo de Virtudes.
Da obra de Schiller deduz-se que a arte possui um
estatuto normativo ideal, que culmina as suas manifestações espirituais numa
oposição à matéria destruidora da liberdade. Para se ser livre, basta sê-lo
espiritualmente e, por isso, nem as cadeias que limitam a acção do homem
físico, nem as regras de um Estado organizado prejudicam a liberdade de que um
homem pode constantemente usufruir.
O homem deverá inverter o seu sentido final,
colocando-se ao seu próprio serviço e retirando-se toda a carga negativa com
que contamina qualquer comunidade, mais ou menos predisposta a uma idolatria e,
distanciando tal contexto, ao homem surge uma liberdade que não é só dele, mas
também de todos quantos inspirados pela natureza, desta conseguindo obter, por
representação, uma obra de arte.
E não será só o artista que o consegue, pois o homem
comum é, também, agente, embora quase inconsciente da beleza que o toma, o seu
próprio corpo é uma exteriorização da beleza, uma obra de arte, conforme afirma
Schiller, só que, quando mergulhado nas massas humildes e brutais perde o seu
valor estético. O prazer estético estará assim naufragado num mar revolto de
consciências anormais, e quanto seria benéfico para o homem conseguir energia
de tal tempestade, dignificando o seu comportamento pelo abraçar do “Terceiro
Caráter”.
O Estado deve estar subordinado aos ditames da
moral, criando-se através do estético uma civilização ideal. É necessária uma
maior humanidade, não resultante de guerras ou revoluções anárquicas, mas
conseguida pela força da Moral. Schiller indica o rumo para tal, pela “Educação
Estética”, talvez utópica, mas premente num mundo pleno de contradições e de
desgraças, não obstante os progressos da técnica, bastando que o homem seja
capaz de pôr à prova e ao seu serviço todos os dons que Deus lhe deu.
As “Cartas” de Schiller são uma obra filosófica e a
arte foi a primeira exteriorização cultural do homem. A Estética é um caminho
que nos conduz a uma felicidade moral, a uma compreensão da humanidade, a uma
intersubjetividade tolerante.
Bibliografia
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Correntes da Filosofia. 5ª Ed. Lisboa: Publicações Europa-América
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la Estética. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos
SCHILLER,
Johann Christoph Friedrich von, (s.d.). Cartas Sobre a Educação Estética da
Humanidade. Buenos Aires: Ed. Aguilar.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
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