domingo, 31 de março de 2013

Páscoa: Ressuscitar a Dignidade


Ainda no início do século XXI, mas já na segunda década, numa Europa milenar de cultura, tradições, valores e detentora de uma civilização, que se tem pretendido humanista, assente nos pilares da Democracia, do Direito e do Cristianismo vive-se, todavia, uma situação preocupante, pelo menos em alguns países, nestes se incluindo Portugal que, apesar de pobre, é constituído por um povo humilde, trabalhador, honesto e educado, uma população frequentemente sacrificada, submetida às mais cruéis desfeitas, a principal das quais, a perda de quase tudo o que ao longo de vidas de trabalho, poupanças, impostos em cima de impostos, acaba por ser despojada de direitos e até do próprio património material, se não cumprir as leis injustas que lhe estão a ser, insensivelmente, impostas, reconhecidas como tais, pelas mais altas instâncias dos Poderes.
Os crentes católicos vivem uma quadra festiva, festejam a Ressurreição de Cristo, cuja vida de sofrimento, de bem-fazer, de amor pelo seu povo, pela intransigência na defesa dos mais fracos O levou à morte, desumana e violenta.
A vida de Cristo, ainda que interpretada no contexto simbólico, não deixa de ser um exemplo, pelo padecimento a que esteve sujeito, pelas humilhações por que passou e, não obstante a crueldade dos seus adversários e algozes, a todos perdoaria e ressuscitaria em glória, com dignidade e com uma mensagem de esperança, na salvação da humanidade.
O exemplo de Cristo, hoje mais do que nunca, deverá constituir uma referência universal, independentemente de quaisquer ideologias políticas, religiosas, económicas, financeiras e tantas outras. A filantropia que a sua vida demonstrou, deveria ser um incentivo para toda a humanidade, no sentido da recuperação da dignidade, que é um valor essencial de toda a pessoa humana.
Com efeito, a dignidade em muitos setores da atividade humana, mais parece um valor utópico, que terá sido ignorado pela enormidade e colossal humilhação, que tem vindo a ser infligida aos cidadãos e, por isso mesmo, é tempo de ressuscitar a dignidade que foi brutalmente afastada dos principais valores, direitos e deveres cívicos.
Páscoa, tempo de reflexão, de realinhamento de políticas, de dignificação das pessoas, de instituir um pouco mais de humanismo, porque há muito mais vida para além de mercados, de dívidas públicas, de sacrifícios desumanos, de negação de direitos, pagos e adquiridos. Muitos Portugueses já percorreram o longo e espinhoso calvário da austeridade, já foram mortos nos seus direitos, já perderam muitos dos seus bens e passaram a viver na rua e têm dificuldade em manter a esperança na ressurreição da própria dignidade humana.
É tempo de se enaltecer a simbologia deste período que, justamente, nos transmite uma mensagem de alegria, de possibilidade de recuperação de princípios, valores e direitos perdidos, ignorados e/ou, simplesmente, retirados, injustamente. É um tempo em que permite pensar-se, adequadamente, sobe o papel que cada pessoa tem de desempenhar neste mundo, e nesta vida, porque, tal como Cristo, um dia, eventualmente, mais depressa do que se pensa, tudo acaba, ficam apenas as memórias das boas e más ações que se praticaram.
E se o Natal é tempo de Família, de união, de uma vida diferente, justamente, a partir do nascimento de Cristo; a Páscoa é o significado dessa mesma vida, de uma Pessoa que a colocou ao serviço dos seus discípulos, do seu povo, da humanidade; que a ofereceu, generosa e sofridamente a esse mesmo povo, sabendo, contudo, que a recuperaria com esplendor, glória e dignidade. Os Portugueses querem, também, ressuscitar da morte que lhes foi imposta, qual condenação por crimes que não cometeram. Querem recuperar a alegria de viver com dignidade.
Acreditando que Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia, então e por analogia, devem os Portugueses regressar à vida digna, rapidamente, porque há alguns anos que vêm sendo mortos, paulatinamente, nas suas mais elementares condições de vida, como sejam a proteção à saúde, ao emprego, à educação/formação, à segurança social, em todas as fases da vida, enfim, recuperar um verdadeiro e justo Estado Social, com qualidade, imparcialidade e em permanência, porque os Portugueses, na sua esmagadora maioria, já deram, ao longo das suas vidas e continuam dar o que, praticamente, já pouco lhes resta, para alguns, porque para outros, a miséria é o que têm para oferecer.
No meio de tanta desgraça, de tanta injustiça, de tanto desemprego, miséria, fome, doença e suicídio, os Portugueses, solidariamente, ainda resistem, desarmados, à mercê de um adversário insensível, desumano, poderoso e violador de direitos adquiridos.
Acreditam, ainda, numa ressurreição da sua dignidade, pelo menos enquanto pessoas humanas, de deveres e direitos, e acreditam que, mais tarde ou mais cedo, o seu próprio “Domingo de Aleluia” há-de chegar, que os responsáveis por esta morte lenta, terão de prestar contas, e vão ser sancionados, cívica e democraticamente, dando, ainda e generosamente, mais uma oportunidade de arrependimento de quem está envolvido e tem culpas nesta calamidade nacional. Esse dia, o da Redenção, chegará se Deus e as pessoas assim o conseguirem e, certamente, a vitória dos oprimidos será o resultado final.
Parece inadmissível que filhos de um mesmo povo se coloquem contra os seus progenitores, contra os seus concidadãos, que por eles tudo deram, para os elevar aos estatutos que hoje possuem. Como é possível que se decretem tão injustas e desumanas medidas contra avós, pais, irmãos, parentes, amigos e cidadãos em geral, por obstinação, por teimosia, por avidez de demonstração de um poder que, generosamente, foi entregue, confiando em promessas que pareciam sinceras, agora se confrontem com a deslealdade?
Páscoa, tempo de Ressurreição, de alegria, de libertação de uma morte lenta que conduziu ao túmulo da brutal austeridade. Tempo para uma nova esperança, para se acreditar nas potencialidades de cada pessoa humana, digna, verdadeiramente humilde, honesta e trabalhadora.
Confie-se, portanto, nas capacidades morais, éticas, intelectuais e físicas de cada Português, de cada família, das empresas e das instituições de solidariedade social. Acredite-se que o dia da libertação poderá estar próximo, que será possível a reconciliação, porque é isso o que mais importa.
O mundo e a vida vão continuar, sem dúvida. Apesar do muito mal que alguns têm vindo a fazer a um povo obediente, democrático, respeitador da legalidade, pacífico, esse mesmo povo, saberá perdoar generosamente, sem contudo abdicar das sanções que democraticamente devem ser aplicadas a quem, intencional e persistentemente, prevaricou contra esse mesmo povo humilde, não com qualquer intenção vingativa, nem sob nenhum sentimento de ódio, apenas como exemplo para situações futuras a evitar.
É fundamental continuar a resistir, até ao último “cêntimo”, até ao último sopro de vida, porque é decisivo acreditar em melhores dias, em muitas e alegres Páscoas que, seguramente,  vão continuar a existir, porque é um direito de toda a pessoa humana, ser feliz, digna, respeitada e ter uma vida confortável, protegida por um Estado Social verdadeiramente justo e humano, também moderno e sustentado nos valores da democracia, do direito e da religião.
Confie-se nas novas gerações, também elas tão sacrificadas, humilhadas, sem garantia de um futuro promissor. A ressurreição da sociedade será impulsionada por estas gerações talentosas, generosas, solidárias com os mais fracos, na circunstância, com os seus pais e avós, tão mal tratados por um Estado insensível às situações mais degradantes, de tantos milhares de pessoas.
A Páscoa alegre e feliz avizinha-se, certamente apoiada por milhares de jovens que transportam nos seus corações a bondade, a determinação de proporcionar às gerações mais iodosas o conforto, a tranquilidade, a segurança a que legal e legitimamente têm direito, porque a classe etária sénior já não tem força, poder e meios para lutar contra tantas arbitrariedades, injustiças: para a maioria; exceções para algumas minorias. O capital humano mais valioso será utilizado, brevemente, ao “terceiro dia”.
Por isso, as gerações que se aproximam do fim das suas vidas, apostam na educação/formação, no emprego, na preparação cívico-democrática dos seus filhos e netos, porque é nestes que se acredita, é nestes que reside uma nova Páscoa, alegre, feliz, igual para todos, onde muitos dos valores serão, também ressuscitados, em novos e mais justos conceitos. Espera-se uma Páscoa Redentora, a curto prazo, porque para isso as gerações mais antigas têm vindo a investir tudo o que possuem e os frutos vão surgir, com intenso esplendor.
Para esta nova geração que, pela sua inteligência, preparação e generosidade, está disponível, apela-se para que não adote os procedimentos que ultimamente, também, uma outra geração, tem vindo a aplicar, impavidamente, aos seus concidadãos.
A esta promissora geração pede-se sensibilidade, carinho, respeito e medidas que protejam, justamente, os velhos avós, pais e todas aquelas gerações que contribuíram para uma sociedade melhor. A esta nobel geração pede-se que aproveite a sabedoria, a prudência, a humildade e a gratidão dos seus progenitores, dos seus antepassados, até à enésima geração.
 É na reconciliação de gerações, na solidariedade entre elas, enfim, no respeito e no amor que são devidos àqueles que, à sua maneira e com os recursos que possuíam, conduziram as novas gerações a um novo poder democrático, justo e solidário. Ressuscite-se, rapidamente, a dignidade da pessoa humana. Viva-se uma nova Páscoa da Libertação Redentora.
 
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
 
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domingo, 24 de março de 2013

Pensamento e Ação em António Sérgio


Decorreu, em 1983, o centenário do nascimento de António Sérgio, (1883-1969). No dia 10 de Junho, desse ano, foi condecorado, a título póstumo. Na ocasião foi denominado como ensaísta, crítico e filósofo.
Mas seria de facto, António Sérgio, um filósofo? O seu pensamento será genuinamente original ou apenas uma boa teoria, assente numa boa construção eclética? E terá a sua Filosofia algum sentido? Certamente que para alguns autores, Sérgio não será um filósofo, pois não teria construído qualquer sistema; outros, porém, reconhecem-lhe características filosóficas, se se considerar o ecletismo como uma corrente do pensamento reflexivo.
De facto, referencia-se António Sérgio como um grande admirador e, por que não, um seguidor, de alguns temas, dos mais notáveis racionalistas e iluminados estrangeiros, sem descurar o clássico e antigo Platão, passando para a Idade Média com Santo Agostinho, S. Tomas e na Idade Moderna com Descartes, Espinosa, Kant. Possivelmente, tantas e tão importantes influências, não lhe permitiram elaborar e sistematizar, de forma estruturada, uma teoria filosófica sobre o mundo e sobre o homem, o que, apesar disso, não lhe retira o mérito noutras áreas.
Tem sido referido, ao longo da História do Pensamento, que os problemas fundamentais da Filosofia são, em qualquer época, muito semelhantes. Abordar tais problemas, situações e temas implica um repensar retrospetivo. Neste particular, diz-se que António Sérgio não foge à reflexão sobre a problematicidade dos assuntos, anteriormente analisados por outros pensadores. Talvez resida aqui uma grande dignidade a par da sua atitude humilde.
Sabendo ele que o filósofo não é, somente, um homem ilustrado e pensador, mas antes de mais, uma pessoa que repensa a Filosofia. Assumindo atitudes radicais quanto tais se justificam. Postura crítica e problemática, de tal sorte que, qualquer que seja a questão, esta possa continuar aberta a toda a discussão e suscetível de opiniões e soluções diferentes.
Considere-se, então, António Sérgio, um filósofo, talvez diferente daquele conceito em que por vezes se interiorizou, ou seja, no sentido especulativo, que nada resolve e tudo questiona.
Aceite-se entender António Sérgio como um filósofo da ação, porque a sua filosofia será, primeiramente, uma teoria do conhecimento, uma epistemologia, um pragmatismo, estimulando o progresso em ordem a beneficiar a comunidade: quer o bem material, quer a emancipação económica, eram simples instrumentos do bem moral, a partir, justamente, da emancipação moral, da pedagogia do ser humano, o qual, deveria ser ativo e culto, numa sociedade modificada.
António Sérgio agia porque pensava. A ação articulava-se com o seu pensamento, no sentido de contribuir para a formação do homem, precisamente, a partir de uma educação cívica que proporcionasse à sociedade uma vida de respeito e cumprimento de valores, de princípios, de direitos e deveres humanos. É assim que ação e pensamento adquirem um carácter ético.
Além de racionalista, Sérgio é também um idealista, embora reconhecendo que o racionalismo clássico é abstracto, porque os seus defensores negam a possibilidade de o homem se fazer a si mesmo, através de atos de liberdade absoluta.
O seu racionalismo, não impedia de idealizar projectos concretos, porque, segundo ele: «A inteligência como eu a concebo, não minora a tal realidade: inteleccionar ao que me tem parecido, é perceber o real, o concreto, o particular.» (SÉRGIO, 1976:205).  
É com esta simples e primeira reflexão que se parte para a abordagem do caso exemplar de António Sérgio, analisando a sua obra sobre educação cívica, afinal tão necessária para melhor se entender a importância de certos valores: estudo, educação, trabalho. Assim podem-se cumprir e fazer respeitar os direitos humanos, hoje – 2013.

Bibliografia

SÉRGIO, António, (1976). Obras Completas: Ensaios, 2ª edição, Tomo I, Lisboa: Sá da Costa.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

                                                                                                  E-mail: bartolo.profuniv@mail.pt
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domingo, 17 de março de 2013

Educação Cívica para os Direitos Humanos


Todos os dias, nos meios de comunicação social, muita gente fala dos direitos humanos, denunciando ou omitindo como eles são ignorados, quando não espezinhados, violados e deturpados em muitos países do mundo, todavia, ainda assim, vale a pena evocar o que tem sido ao longo do último século, a luta pelos direitos, pelas liberdades e garantias fundamentais da pessoa humana.
Esta luta não é só do século passado, ela já se passou para o atual, além de mergulhar as suas raízes na mais remota antiguidade, mesmo quando os costumes, a mentalidade e a organização política de então, aceitavam, como fatalidade histórica, a tirania, a escravidão, a morte.
Esta problemática continua a ser uma questão educacional que, não é por acaso, está bem referenciada em documentação internacional, nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, «1.Toda a pessoa tem direito à educação. (...); 2. A educação deve visar a plena expansão da personalidade humana e o esforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos...» (ONU 1948: Artº 26º).
Muitas são as instituições/associações que, ao longo dos tempos, lutam contra a violação dos Direitos Humanos: Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Comissão Europeia, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Liga Francesa para a Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, Amnistia Internacional, entre outras.
Estas instituições devem a sua credibilidade à força moral e à coragem de não pouparem qualquer país, onde estão em perigo os Direitos Humanos, porém, os apelos, as investigações e as sugestões que tais associações divulgam, pouco são ouvidos e, muito menos seguidos por uma, ainda significativa, parte dos países.
A dicotomia que na verdade parece existir em muitos países, leva a que: uns, deem importância aos direitos civis e políticos; outros, aos direitos económicos, sociais e culturais, produzindo, afinal, duas conceções políticas diferenciadas que bipolarizam as nações e que se conexam com a própria definição de democracia.
 Sem plagiar a etimologia grega, dir-se-ia que as democracias ocidentais, felizmente, defendem o pluralismo político, a liberdade de expressão, o direito de associação e de reunião, a ausência de polícia política e a garantia de liberdades individuais, plasmadas nas Constituições Políticas, livremente votadas pelos representantes dos cidadãos, através dos seus representantes.
Não foi inocente a escolha do tema, porque ninguém pode ficar indiferente, neste novo século, aos valores protegidos pelas diversas Declarações de Direitos Humanos, quando se conhecem situações de: a) Conflitos – Que conduzem a que uma oposição consciente, entre sujeitos, ou nações, perseguindo objetivos incompatíveis, originam, muitas vezes, agressividades, que estão na origem de confrontos sangrentos, de consequências irreparáveis; b) Violência – Que entre outras definições, optar-se-ia, genericamente, como: «a causa da diferença entre o potencial e o efectivo», pois ela está «presente quando os seres humanos são influenciados de tal maneira que as suas realizações/anseios/esperanças afectivas, somáticas e mentais estão abaixo das suas realizações potenciais.» (GALTUNG, 1985:30).
 A razão do presente artigo é, portanto, a apologia de uma Pedagogia para a Paz, que se pode resumir num conjunto de enunciados ou regras, dirigidos à educação dos indivíduos, para que atuem de modo a criar a base de um espírito mais humanista, inspirado no respeito e exercício dos Direitos Humanos, no trabalho, em prol da proteção do meio ambiente, nas práticas sociais para o fortalecimento da convivência, da solução pacífica dos conflitos e da violência, quaisquer que sejam: físicos, materiais, psicológicos ou outros.
Uma educação para a paz, modernamente, deve apresentar as seguintes características, entre muitas outras, possíveis e, quiçá, melhores: “a) Aceitar, e implementar um processo de socialização, por valores que aumentem o progresso social e pessoal, num contexto de desenvolvimento global; b) Questionar o acto educativo, desligando-se do ensino meramente transmissivo, em que o aluno é um mero recetor, isto é, o acto educativo como processo activo-criativo, em que os alunos são agentes vivos de transformação”; (cf. SÉRGIO, 1984); “c) Enfatizar, tanto na violência directa como na estrutural, facilitando o aparecimento de estruturas pouco autoritárias, não autistas, que possibilitem o espírito crítico, a obediência, o autodesenvolvimento e a harmonia pessoal dos participantes; d) Procurar coincidir fins e meios, a fim de se chegar a conteúdos distintos, através de meios diferentes, fazendo do conflito e da aprendizagem da sua resolução, não-violenta, o ponto central da sua atuação; e) Combinar certos conhecimentos substantivos com a criação de uma nova sensibilidade, de um sentimento empático que favoreça a aceitação e compreensão do outro.” (cf. APDME-CIP, 1990).
Refletir-se-á sobre a visão geral da Filosofia em Portugal no séc. XIX, e tenta-se, a partir da análise à posição de António Sérgio, com a necessária abordagem à sua obra “Educação Cívica”, uma rápida incursão sobre a educação cívica em Portugal no ensino.
Certamente, ficará uma opinião muito pessoal, seguramente discutível, porque não se trata de uma verdade dogmática. O resto, seria impossível e pretensioso, emitir a receita miraculosa para a observância dos Direitos Humanos, quando, decorridos mais de sessenta e quatro anos, depois da adoção da D.U.D.H, em 1948, a indiferença, e o desrespeito por tais valores continuam a ser uma realidade.
 Segundo a opinião pública: a) Metade dos países do mundo continua a deter pessoas pelas suas convicções políticas, ou ideológicas, origem étnica, sexo ou religião; b) Um terço dos Governos mundiais tortura os seus cidadãos; c) O número de refugiados em busca de proteção contra as violações dos direitos humanos elevou-se, na última década, para mais de 15 milhões; d) A pena de morte é aplicada em mais de meia centena de países.

Bibliografia

APDME - CIP, (1990). Seminário de Educação para la Paz, Educar para la Paz. Una propuesta posible, Madrid: APDME - CIP
GALTUNG, Johan, (1994). Direitos Humanos – Uma Nova Perspectiva. Trad. Margarida Fernandes. Lisboa: Instituto Piaget.
ONU – Organização das Nações Unidas, (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos, Nova York: Assembleia-geral das Nações Unidas 10/12/1948, in AMNISTIA INTERNACIONAL – Secção Portuguesa, s.d.
SÉRGIO, António, (1984). Educação Cívica. Lisboa: ICLP/ME.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
 
Portugal: www.caminha2000.com (Link Cidadania)

domingo, 10 de março de 2013

A Mulher em todo o seu Esplendor


São muitos os dias nacionais e internacionais que ao longo do ano se evocam e festejam, com a pompa e circunstância que são possíveis. Para cada tema, a efeméride celebra-se no dia que, consensualmente, tem sido aceite, embora, também, já se tenham verificado alterações, como por exemplo em relação ao dia da mãe, todavia, a maioria das comemorações, nos respetivos países e/ou em todo o mundo se mantenha em data fixa.
Estabeleceu-se, internacionalmente, o dia oito de Março, para se festejar a importância da Mulher em todo o mundo, para que todos os seres humanos rejubilem e prestem homenagem às Mulheres, elas próprias incluídas nas homenagens que lhes são, justamente, dirigidas, elas mesmas o centro de todas as atenções, naquele dia.
Paradoxalmente, aquele dia não é universalmente vivido, sentido e festejado, porque a Mulher, infelizmente, ainda não ocupa o lugar, no seio da sociedade que, por mérito próprio, tem direito, reconhecendo-se, entretanto, que, ainda que timidamente, tem havido alguma evolução favorável ao reconhecimento da sua dignidade.
Numa visão generalista, e de muito fácil entendimento, pode-se admitir, como regra universal, que a Mulher é a pessoa que primeiro se ama, por quem se tem um grande carinho, a quem se pede refúgio, que dela se recebe amor incomensurável, proteção incondicional, compreensão e tolerância sem limites. Esta Mulher, que a maioria dos seres humanos começa a amar, e por ela a ser amado, é o primeiro porto-seguro, a nossa fonte de alegria, o nosso primeiro e grande amor, é a nossa mãe.
Esta função, este elevado e nobilíssimo estatuto, sublime e inigualável, só a ela pertence, é como que uma bênção divina, uma dádiva do Criador, a notabilíssima missão de ser mãe, por isso, mas não só, se deveria reconhecer, na Mulher, o seu papel insubstituível, a premente necessidade do reconhecimento da sua importância e da sua dignidade, a Mulher que pelo seu “sexto sentido” consegue, quantas vezes, evitar as piores desgraças e resolver, carinhosamente, problemas extremamente complexos, no seio da família e da sociedade.
Dia internacional da Mulher, pelo qual, em todo o mundo civilizado, os valores do amor, do matrimónio, da maternidade, da dádiva total, se festejam, com mais ou menos autenticidade, sinceridade, respeito e reconhecimento. A Mulher-Filha, a Mulher-Esposa, a Mulher-Mãe, afinal, a Mulher, como que glorificada, merecidamente, afirme-se, desde já, porque ela, que gosta e respeita os pais, que ama o seu companheiro, a mãe extremosa, que gerou e transportou o filho no seu ventre, a Mulher-Trabalhadora que, no limite das suas forças, é capaz de dar a vida por aqueles que verdadeiramente ama. A Mulher em todo o seu esplendor.
Mas a Mulher, enquanto filha, é importante para os seus pais, seguramente, para a sua mãe, também esta Mulher, que ouve da filha todos os seus choros, tristezas, alegrias, aspirações, dificuldades. Como esta Mulher-filha ama a sua mãe, como que numa simbiose de amor, a ela está, demiurgicamente, ligada, mesmo quando a vida é adversa, ela procura na mãe, ou esta na filha, uma interpretação, os conselhos, ensinamentos e compreensão, porque esta filha sabe muito bem que um dia também poderá vir a ser mãe e conhece o aforismo popular, segundo o qual: “Filha és, mãe serás, como fizeres, assim receberás”.
Existe, na maior parte das pessoas, uma espécie de cumplicidade entre estas duas mulheres: mãe e filha, e/ou vice-versa. Em oito de Março festeja-se o dia da Mulher, não o dia da mãe, nem o da filha (haverá o dia da filha?), não o dia da esposa, não o dia de avó ou de qualquer outro parentesco, o que se comemora é o dia da Mulher, em todo o seu esplendor, na plenitude das suas capacidades, dos seus valores, dos seus direitos e deveres, dos seus sentimentos, sem dúvida.
É a mulher que está em nossas vidas, mais ou menos profundamente, mais ou menos amada, querida, desejada, protegida, acarinhada, mas também ela protetora, vigilante, trabalhadora, rainha dos nossos corações. Mulher com letra grande, que sabe perdoar, que quando ama se entrega totalmente, sem reservas, com esperança e determinação em conceder a maior felicidade ao ser amado. Mulher que se revela em toda a sua plenitude.
É impossível conceber o mundo sem a mulher, também ela na sua qualidade de esposa, companheira indefetivel e amante do seu marido, cúmplice, na vida externa como na intimidade do leito conjugal, conhecedora das dificuldades mais íntimas do seu cônjuge, compreensiva, tolerante nos fracassos e incentivadora para vencer obstáculos.
Mulher que ao lado do seu amor conjugal, com ele enfrenta as adversidades da vida, com ele soluciona a maior parte dos problemas e com ele tanto vive as alegrias, quanto as tristezas, Mulher que não está atrás nem à frente dos êxitos do seu companheiro, mas está sempre ao seu lado, com os mesmos méritos, com idênticas capacidades, com iguais possibilidades de vitória. Mulher que é capaz de dar a vida por quem ama verdadeiramente.
É esta Mulher, enamorada, esposa, companheira que, ao lado do seu ente amado, enfrenta o mundo, sem medos, com firmeza, com amor e com sentimentos nobres. É esta Mulher que sabe guardar, num “cantinho do seu coração”, os mais profundos, quanto notáveis e sublimes sentimentos, que jamais praticará qualquer ato de deslealdade contra a pessoa que, autentica e intimamente ama ou, ainda, que admira, gosta, acarinha ternamente a quem ela sabe que lhe quer bem, que também aprecia e ama com respeito e preocupação.
A Mulher de sentimentos profundos, de sensibilidade extremamente apurada, que tem o seu próprio e salutar orgulho, para o bem, como também para a sua defesa, quando se sente ou é atacada por quem quer que seja. Mulher que no fundo da sua alma, quantas vezes sofre, em silêncio, ferida no seu próprio amor, na sua dignidade, precisamente por quem não tem quaisquer motivos para a agredir e seja qual for o tipo de agressão.
Admiremos a mulher que, mesmo perante um amor proibido, ou não correspondido, consegue sofrer em sossego ou, quando sabe que é amada, não pode corresponder, contudo, tem a generosidade de sorrir, de compreender, de tolerar, aceitando, mesmo assim, com respeito pelo seu legítimo cônjuge, uma amizade muito sentida, de um amigo muito especial. Que grandeza de alma.
O mundo, na sua componente masculina, parece que ainda não acordou para reconhecer a Mulher como uma pessoa insubstituível, indispensável e presente em tudo o que respeita ao bem-comum, ao amor, à felicidade e à paz. A natureza dotou o mundo com dois seres, feitos para se “encaixarem” um no outro: a fêmea e o macho; o feminino e o masculino; a Mulher e Homem, porque o equilíbrio resultará, precisamente, da harmonia dos contrários.
Dia oito de Março, dedicado, universalmente, à Mulher, em todas as suas dimensões: filha, namorada, esposa, mãe, companheira mas, certamente, trabalhadora incansável, quantas vezes desempenhando diversos papéis, quase em simultâneo, acumulando trabalho, responsabilidades, enfrentando dificuldades que derivam da organização, gestão e conforto do lar, no qual, frequentemente, é ela a única a zelar por tudo e por todos, quase sempre, com um sorriso, com um semblante de alegria, de felicidade e, carinhosamente, auxiliadora.
Qualquer pessoa, minimamente informada sabe que: «Uma das principais dificuldades das mulheres que trabalham é equilibrar a carreira e a família numa escala de interesses e prioridades em que, se uma pode ser mais importante do que a outra, se uma pode em determinado momento exigir maiores atenções do que a outra, sem ambas a realização não é plena.» (DUARTE, in CANHA, 2010:74).
Neste dia mundial, especial e meritoriamente dedicado à Mulher, compete-nos, de uma vez por todas, reconhecer-lhe a grandiosidade dos seus valores, a profundidade dos seus sentimentos, as dimensões em que ela é capaz de se desdobrar, pensando e agindo em favor dos mais carenciados, dos mais frágeis, daqueles que ela verdadeira e intensamente ama.
Hoje, alguém que se preze da sua boa-formação não pode continuar a discriminar, negativamente, a Mulher, independentemente do seu estatuto pessoal, social, profissional e cultural. Hoje, já em pleno século XXI, é tempo de colocar a Mulher ao lado do Homem, reverenciar todas as suas capacidades e esplendor. O mundo seria um espaço de trevas, de insensibilidade e, eventualmente, em certas circunstâncias, de selvajaria, se a mulher não existisse.
Mas a Mulher não se circunscreve, apenas, aos papéis de filha, namorada, esposa, mãe, companheira. A sua intervenção, na sociedade, tem outra vertente, igualmente, essencial à construção de um mundo melhor, mais abastado e confortável, porque ela também produz, contribui para a riqueza da família, da empresa, da instituição, do país.
Ela exerce, atualmente, profissões que, até há pouco tempo, estavam reservadas aos homens e, tanto quanto provam os estudos científicos, com resultados idênticos, aos daqueles, na maioria das atividades em que se envolve. Evidentemente que não há regra sem exceção, mas também é bom recordar que: «A compatibilização da vida pessoal com a profissional é um dos principais desafios que têm de enfrentar as mulheres que apostam numa carreira – e, fruto da alteração de mentalidades, os homens também, justiça lhes seja feita.» (Ibid.:85).
A título, meramente ilustrativo invoquem-se alguns bons exemplos de profissões exercidas por Mulheres, que, inequivocamente, revelam as suas capacidades inteletuais e também físicas, incluindo aquelas atividades que, desde sempre, desde logo na antiguidade, época medieval até, praticamente, aos nossos dias, estiveram reservadas aos Homens, como as Forças Armadas e de Segurança, medicina, magistraturas, construção civil, pescas, entre muitas outras que, agora, seria exaustivo elencar.
Recorramos, então, a algumas reflexões, provenientes de quadrantes profissionais do ensino e formação, embora de domínios do conhecimento diferentes, dos dois sexos, relativamente à igualdade de género para ficarmos com uma ideia sobre a importância da Mulher no mundo atual.
«Analisando a evolução da sociedade portuguesa a situação das mulheres melhorou e muito, globalmente houve mudanças que devem ser consideradas como altamente positivas para a situação das mulheres, mas em comparação com a situação dos homens, em algumas áreas, ainda existe muita desigualdade de oportunidades (quer no género, no acesso ao emprego, na evolução da carreira, igualdade salarial, articulação vida profissional e vida familiar.» FERNANDES, 2010, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013).
«O grande desafio do século XXI é sem dúvida o estabelecimento do mainstreaming, ou seja, a criação de uma cultura política e administrativa onde os princípios de igualdade sejam colocados em prática e não apenas aceites ou promovidos. É vital promover, defender e resgatar os direitos da mulher, buscando garantia de igualdade no exercício de direitos e deveres, principalmente aumentar os níveis de representatividade política, articulando os meios que favoreçam a inserção da mulher na sociedade civil organizada, elevando a cidadania.» (NASCIMENTO, 2010, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013).
 «Não só as mulheres maltratadas como, muitas vezes, as/os filhas/os também são maltradas/os. O desrespeito e a humilhação levam à vontade de não ir à escola, levando ao consequente abandono escolar. (…) Estando inseridos numa sociedade que discrimina em termos de igualdade de género, a escola desempenha um papel muito importante na construção de um espaço generalizado para, assim poder acabar com este problema de desigualdade contínua e evolutiva.» (RAMALHOSA, 2010, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013).

«O futuro do mundo passa, igualmente, pelas mulheres e pelos homens. Ninguém poderá afirmar, com rigor científico, qual dos géneros vai ter mais influência e/ou importância, sabendo-se, contudo, que ambos vão ser decisivos para o bem ou para o mal. As instituições públicas e privadas ao não praticarem a discriminação sexista só terão a ganhar, como de resto já afirmaria ROMÃO, (2000:32): “Ao difundir que a sua empresa pratica uma política de igualdade estará a aumentar as possibilidades de atrair uma gama mais vasta de candidatos/as qualificados/as e de conservar o seu pessoal. Tornar-se-á também mais competitiva, porque reduzirá os custos de recrutamento e formação inerentes a uma grande rotação de pessoal.”» (BÁRTOLO, 2010, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013).

Hoje a Mulher não se circunscreve, apenas, ao mundo, com todas as suas faculdades e exuberância, em todo o seu esplendor e carisma, cada vez mais acentuado. Podemos considerar, a partir de agora, que a Mulher pertence, efetivamente a uma elite, no sentido em que: «Uma elite é constituída por pessoas que pelo seu valor, pelo seu trabalho, pela sua inteligência, se notabilizam e se diferenciam das restantes. Têm uma autoridade, não um poder.» (BALDAQUE, in CANHA, 2010:214).


Bibliografia.

BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2010). Liderança Feminina Empresarial, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013.

CANHA Isabel, (2010). As Mulheres Normais Têm Qualquer Coisa de Excepcional, histórias inspiradas de vidas extraordinárias, Lisboa: Bertrand Editora

FERNANDES, Cecília Manuela Gil Carrondo, (2010). Profissões têm sexo?, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013.

NASCIMENTO, Sílvia Castro Paço, (2010). A Mulher na Política, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013.

RAMALHOSA, Rui José Gomes, (2010). Educação para a Igualdade de Género, in http://igualdadegenero2010.blogspot.pt/, consultado em 03.03.2013.

ROMÃO, Isabel, (2000). A Igualdade de Oportunidades nas Empresas. Gerir para a Competitividade. Gerir para o Futuro. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres – Presidência do Conselho de Ministros. Coleção Bem-estar, Nº 1 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

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domingo, 3 de março de 2013

Viver a Vida Filosoficamente


Numa sociedade materialista, consumista e em permanente transformação científica e tecnológica, pode parecer ridículo e objecto de troça o título do presente trabalho: “Viver a vida filosoficamente”. A questão, sempre possível de relativizar, sobre quem vive melhor, exige que se definam, previamente, critérios para o conceito de viver melhor.
A relativização pode-se contornar, admitindo-se que, qualquer que seja o estatuto sócio-profissional, económico, político ou outro, e por muito bem que, materialmente, uma pessoa se sinta na vida, fases existem em que tais pessoas não se consideram felizes, satisfeitas, realizadas, reconhecias, respeitadas e prestigiadas.
Períodos há em que essas mesmas pessoas, que detêm do poder, da riqueza financeira, patrimonial e fama, se sentem sós, solitariamente afastadas do mundo, da vida, da família, dos amigos e dos bens. Momentos de angústia, de tristeza e sofrimento não-físico, de saudade por alguém ou algo que se perdeu e jamais se recuperará. Estas pessoas, provavelmente, têm uma filosofia de vida, uma maneira de viver muito próprias.
Situações contrárias, em que as pessoas pouco possuem de bens materiais, que não têm acesso a determinadas comodidades, serviços e honrarias, que se mantêm toda uma vida no anonimato, sem estatuto social relevante, vivendo de um modesto salário, embora, no seio de uma família consolidada: no respeito, no amor, na harmonia e na paz.
Pessoas nestas situações existem em todo o mundo e também têm as suas dificuldades, de natureza imaterial, cuja explicação também não conseguem elaborar nem desenvolver. Certamente que dirão umas vezes que são felizes, que não precisam de nada mais para além da Graça de Deus, saúde e trabalho e que tudo o resto virá por acréscimo.
Também estas pessoas vivem segundo uma determinada filosofia, dir-se-ia, uma filosofia da simplicidade, da humildade, do respeito e da dignidade, ainda que e legitimamente, sem abdicar dos projectos e ambições. Estão certas nos seus valores, nos seus objectivos e, possivelmente, acreditam numa recompensa extra-vida biológica. Na verdade e ao que parece, existe já um certo desânimo quanto às possibilidades da ciência e da técnica resolverem certos problemas, eminentemente do foro humano mais íntimo, ou provocados pela acção do homem.
A preocupação materialista levou esse mesmo homem, inclusivamente, a esquecer-se de si próprio: «O homem moderno, de tanto se servir da máquina, passou a reflectir o humano pelo mecânico. E assim se criou uma certa mentalidade mecanicista, pragmática, activista que colocou de quarentona o contemplativo. Podemos mesmo dizer que ele perdeu o sentido da contemplação. De tal modo se deixou empolgar pelo fazer, que perdeu a perspectiva do ser. E de tal forma deixou-se apaixonar pela ideia de produção que perdeu o senso da perfeição. Na perspectiva do mais, esqueceu a perspectiva do melhor.» (MENDONÇA, 1996:21).
Analisando a história da humanidade, pelo menos nos últimos dois mil anos, é relativamente fácil, sem necessidade de se recorrer à recolha de elementos estatísticos quantitativos, verificar-se que o modo de vida do homem, quando, predominantemente, suportado no conhecimento positivista, ainda não atingiu a harmonia e o bem-estar geral, pese embora todo o arsenal de equipamentos, instrumentos técnicos, científicos, as facilidades de acesso a novos conhecimentos, porque o mesmo homem, praticamente ilimitado nas suas capacidades, tem vindo a ignorar outras práticas, bem mais simples, relacionadas aos comportamentos característicos do bom senso, da sabedoria, da prudência, da tranquilidade e dos valores imateriais absolutos: paz, justiça, honra, respeito, dignidade.
O homem moderno envergonha-se das suas origens racionais, no sentido de valorizar toda uma cultura milenar, porque tal racionalidade e cultura eram património, então, quase exclusivo, do saber filosófico. Para muitas pessoas, ser filósofo, num contexto materialista, é sinónimo de fraqueza, de utopia, de pobreza material e motivo de ataque por parte de alguns técnico-positivistas e/ou de diversos cientistas, pretensos defensores da humanidade, com a agravante de beneficiarem do apoio de muitos governantes e até da próprias famílias.
 Os resultados estão à vista, certamente para o bem, mas também para o mal. Viver filosoficamente: implica recuperar a filosofia e adaptá-la à vida prática moderna; envolve reconhecer toda uma cultura e civilização ancestrais, porque: «Devemos ser dignos da nossa civilização e das nossas origens. Só por isso a Filosofia tem garantida a sua presença no mundo, à procura do esclarecimento das ideias, como o único e efectivo caminho para a solução dos problemas da vida humana, na sua essência, cumprindo esta missão de ajudar ao homem, em primeiro lugar, a tomar consciência do que seja a força das ideias.» (Ibid.:34).
A posição correta que se pode (e deve) assumir, no atual paradigma técnico-científico, que caracteriza a humanidade deste meados do século anterior, passa, obrigatoriamente, pela interdisciplinaridade, através da qual todas as disciplinas e formas de conhecimento se consideram, necessariamente, importantes para a descoberta do verdadeiro sentido da vida e da condição humana.
Reflectir, profundamente, na misteriosa existência do ser humano, e tentar descobrir os melhores processos para que haja, finalmente, bem-estar para todos, significa conjugar todas as sinergias, conhecimentos, práticas e boas-vontades. O homem vive circundado por imensas realidades, ele próprio uma realidade, talvez das mais complexas. Conhecer as várias realidades não é objecto de uma só disciplina, por mais cientificamente objectiva, rigorosa e quantificada que ela seja, ou por muita subjetividade que se lhe queira imputar e, consequentemente, descredibilizá-la.
 A realidade circundante é constituída de múltiplas naturezas: física, metafísica, inefável, espiritual e sabe-se lá quantas outras. Considerada esta pluralidade de naturezas, que integram a realidade global que rodeia o homem, que se pode denominar por universo, do qual faz parte o planeta Terra, onde habita toda uma humanidade complexa, certamente que a Filosofia não poderá ter a pretensão de tudo saber, tudo esclarecer, tudo conduzir e resolver, logo, nesse sentido: «Filosofia, neste nível, pode então ser definida genericamente como o esforço do espírito humano para compreender a realidade. Como se viu, o senso-comum, o mito, a religião, a arte e a ciência também são, de suas perspectivas, outros tantos esforços de compreensão do real. Com efeito, constata-se à luz de subsídios antropológicos que é uma tendência intrínseca e espontânea do homem, o descobrir o que é o mundo que o circunda, o conhecer e compreender o mundo e a si mesmo, a natureza e a sociedade. (…) Todo o esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, de facto, a finalidade de compreender de maneira integrada o próprio sentido da existência do homem.» (SEVERINO, 1999:22-23).

Bibliografia

MENDONÇA, Eduardo Prado de, (1996). O Mundo Precisa de Filosofia, 11ª edição, Rio de Janeiro RJ: Agi
SEVERINO, Antônio Joaquim, (1999). A Filosofia Contemporânea do Brasil, Petrópolis RJ: Vozes. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

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