domingo, 29 de junho de 2014

Violência e Ideologia


Contemporaneamente, a imposição da violência, como linha de orientação da natureza e da evolução humana, esgotou-se também como proposta científica ou processo eficaz para estabelecer uma sociedade mais justa, de resto, sobejamente comprovado na vida daqueles que defendem o primado da violência, e em que se verifica o aumento da criminalidade, o ato gratuito, a solidão, a insuficiência da realização humana, a indiferença à solidariedade social, enfim, o terrorismo institucionalizado internacionalmente, destruindo tudo, inclusive, matando inocentes.
A violência tornou-se, hoje, segunda década do século XXI, uma mera praxis, constituindo, igualmente, uma ideologia de argumentação finalista, visando justificar formas de manipulação e de coação, assim como tornar legítimas a resistência ou a supressão de classes sociais malquistas: a ideologia como distorção-dissimulação.
«Marx serviu-se da metáfora do inverso da imagem num quarto escuro, ponto de partida da fotografia, para atribuir a primeira função consignada à ideologia, no sentido de produzir uma imagem inversa à realidade. É o laço que Marx estabelece, entre as representações e a realidade da vida, que ele chama praxis.
Passa-se, assim, do sentido restrito ao sentido geral da palavra ideologia. Segundo este sentido há: primeiramente, uma vida real dos homens, é a sua praxis; depois, há um reflexo desta vida na sua imaginação, é a ideologia. A ideologia torna-se, portanto, o procedimento geral pelo qual o “processus” da vida real, a praxis, é falsificado pela representação imaginária que os homens fazem disso.». (Cf. RICOEUR, s.d.:380).
O sinal da grande mudança do pensamento contemporâneo poderá ser encontrado neste debate universal sobre a ideologia, designadamente, quanto ao papel que ela desempenha nos atos de violência, porque não se pode ignorar a ocorrência desta e o seu abuso.
O homem, ser consciente e responsável, racionalizador e observador, voltado para a sua sobrevivência, cria regras eficazes e pondera-as. A violência terá, inevitavelmente, de entrar na sua ponderação, assim como a moral geral, a existência de valores, a sua capacidade técnica e tantas outras dimensões. Todavia, só a convergência alcançada pelo amor é que poderá dar sentido à sua obra.
Numa sociedade cada vez mais policiada e previdente, quanto à segurança física, a violência toma formas que, muitas vezes, nada tem de físico, pelo contrário, são puros atos agressivos para alterar a situação do “outro” por meios mediatos, para beneficiar quem os usa.
A supressão da liberdade das oportunidades, a corrupção da mobilidade social e da promoção, o escamoteamento das regras comuns, o branqueamento da memória coletiva, a manipulação da notícia, o convite vergonhoso à imoralidade, a prática dissimulada do assédio sexual, a alteração dos direitos adquiridos e justificados e tantas outras violações da convivência legítima e harmoniosa, são atos de violência cada vez mais frequentes nas sociedades contemporâneas.
A luta contra este rol de violências, exige imaginação, lucidez e coragem por parte dos responsáveis pela ordem e disciplina da sociedade e das instituições, no sentido de tornar eficaz a incompatibilidade entre a violência e os Direitos Humanos, porque nestes é que reside a radical dignidade humana, pelo que o combate contra a violência tem de partir da defesa da pessoa humana, e da exaltação dos mais caros valores, entre estes, o do conceito que o homem faz do próximo e, inerentemente, de si próprio, numa exigência de dignidade superior, que lhe assiste e o distingue no mundo, isto é: “o outro que poderia ser eu próprio e vice-versa”.
Para que o homem contemporâneo, cada vez se prepare melhor para lutar contra as mais sofisticadas violências, é necessário e imperioso que os responsáveis governamentais se sensibilizem para as questões da educação geral da população, nomeadamente: a educação cívica, ética e axiológica, porque o ato educativo é um facto de ordem social e cultural.
Como facto de ordem social e cultural, a educação apresenta-se sempre em correlação com o desenvolvimento da civilização, aliás, já nas sociedades primitivas, a atividade educativa estava intimamente ligada a outras manifestações da vida coletiva, tais como o culto religioso, a aprendizagem de técnicas rudimentares, o mesmo se verificando, seguramente, nas sociedades mais desenvolvidas: Esparta, Atenas, Roma, são disso o exemplo mais clássico.
A Escola deve estar adaptada à sociedade e nesta visar a sua integração. Num mundo em incessante transformação, como é o mundo conhecido e o mundo construído pelo homem, a Escola tem de ser, não só o reflexo, mas também e sobretudo, o projeto da sociedade e, sendo certo que a Escola deve ser feita para a sociedade, também é verdade que a sociedade deve ser constantemente renovada pela Escola.
Não pode haver paz, segurança, progresso e bem-estar se não houver na população um elevado nível educacional e cultural, porque só assim as pessoas poderão distinguir entre a realidade e a ideologia, entre a verdade e a aparência.

              Bibliografia

RICOEUR, Paul, (S.d.). Hermeneutique et Critique dês Ideologies – L’Ideologie et l’Utopie, s.l., s. Ed.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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domingo, 22 de junho de 2014

Realidade Social e Ordem


Numa perspectiva negativa, obviamente que a violência será um motivo de perturbação da ordem, quer a partir da generalidade das pessoas, quer a partir das Autoridades. Os atos de violência definem pessoas e ideias, pelas suas intenções e consequências que produzem.
Os atos humanos de violência manifestam-se no homem, mas não o afetam no seu conteúdo profundo, nem qualificam para exprimir os seus fins últimos, todavia, o Cristianismo, não ignorando, nem subalternizando a violência, considera-a substituível, com vantagem imediata para os diferendos entre os homens, pela consciencialização do papel do amor ao próximo, dependendo da vontade do homem, tal substituição.
Qualquer que seja a constituição da sociedade, sempre haverá um certo número de regras, por muito rudimentares que sejam, que impõem uma determinada, hierarquização de princípios, de valores, de sentimentos e dos papéis que cada um deve desempenhar e defender.
A violação das regras será, na maioria dos casos, uma violência que, naturalmente, suscitará uma reação violenta por parte de quem as impôs. Aqui pode-se colocar a questão de se avaliar até que ponto tais regras são justas ou injustas: se foram instituídas por um governo democrático; ou impostas pela força despótica de um regime absoluto.
Resulta que a violência, a partir das cúpulas, será ainda mais perturbadora da ordem, do que a violência desencadeada pelas bases do povo anónimo, porque estas, de uma forma geral, não têm mecanismos repressivos ao seu alcance. Mas, seja qual for a proveniência da violência, esta, efetivamente, perturba a ordem no aspeto em que quebra a harmonia anteriormente existente.
Se se abordar o desencadear da violência, a partir das cúpulas do Poder e dos seus agentes, não se torna difícil descobrir, por detrás dela, situações de inaceitável incompetência daqueles que têm a obrigação de se assumir capazes, consensuais, dialogantes, tolerantes e pedagógicos.
Com efeito, verifica-se, frequentemente, que o recurso dos incompetentes aponta para a tomada de atitudes fechadas, violentas e ditatoriais, muitas vezes com risco da própria integridade física dos intervenientes, num processo de resolução de um conflito, numa determinada instituição.
Ora, se as regras sociais são impostas pela hierarquia, sem consulta às bases, e se tais normas são desfavoráveis à maioria das pessoas, obviamente que estas procurarão reagir contra o seu cumprimento e, desta reação, será possível a manifestação de atitudes violentas, principalmente de natureza física.
Aqui entra o primeiro aspeto da incompetência, na medida em que: se por um lado, os responsáveis pela aprovação, promulgação e execução de tais normas, não são capazes de explicar, conveniente e convincentemente, as razões e alcance das mesmas, até porque lhes poderá faltar a legitimidade que lhes advém da adesão popular;
Por outro lado, não são suficientemente compreensivos, face às razões morais, cívicas, religiosas e éticas que são expostas pelos grupos atingidos, assumindo, então, tais responsáveis, posições rígidas, comunicação autoritária e manifesta incapacidade para encontrar soluções alternativas, consensuais e de compromisso, apoiando-se, neste caso, no papel de Autoridade que, entretanto assume, procurando desempenhar as respetivas funções de forma a poder vir a merecer o elogio dos correligionários, ainda que tendo atuado contra os mais elementares e legítimos interesses das pessoas, incluindo, eventualmente, a violação dos direitos humanos, que a todos os cidadãos têm direito de usufruir.
A incompetência, assim assumida, não resolve nenhum problema de fundo, ainda que, aparentemente, e através dos mecanismos repressivos e punitivos, consiga, momentaneamente, controlar a situação.
A tudo o que já foi exposto, e partindo de uma posição de base, também se verificam atos de violência de uma maioria contra uma minoria, ainda que livremente escolhida por aquela, para defender os interesses coletivos, ou seja, a maioria não acata as normas legitimamente impostas pela minoria, que governa democraticamente, provocando alterações na ordem e paz sociais, com vista a pressionar os responsáveis da governação, no sentido destes modificarem as regras da convivência, ou dos interesses estranhos ao Bem-comum.
Em democracia, o governo do povo é exercido pelo povo, através dos seus representantes, livremente escolhidos. Esta regra de ouro, estabelecida entre as partes – povo e candidatos –, não pode ser violada por nenhum dos signatários do acordo, expressamente validado nas urnas, de contrário, mais tarde ou mais cedo, suceder-se-ão atos de violência de qualquer natureza, mesmo num regime democrático parlamentarista, ou seja, no regime da democracia representativa.
Ora, partindo do princípio, segundo o qual os candidatos ao governo do povo, depois de eleitos, vão cumprindo o acordo previamente estabelecido, com as mesmas regras do jogo à data da validação daquele, e se, posteriormente, o povo reage violentamente, o conflito só poderá ter uma, ou mesmo duas origens: ou os governantes são incompetentes sob vários aspetos e não cumprem o acordado; ou o povo não tem a formação cívica e a estatura moral suficientes para cumprir a sua parte.
Aqui surge a violência, exatamente a partir da base, devido a: insuficiente formação educacional e cívica da população, no pressuposto de que os governantes estão a cumprir o que foi antes estabelecido; ou os responsáveis políticos no poder, não estão a cumprir com o que prometeram para a celebração do acordo, isto é: não estão a honrar a palavra dada. Esta última situação, incumprimento das promessas e, em alguns casos, até fazem o contrário, infelizmente é a que se verifica com muita frequência.
Admitindo-se, então, que a reação popular não se justifica, minimamente, compete, necessariamente, aos governantes eleitos, reagir de forma a restabelecer a legalidade democrática, contra uma maioria que, certamente, devido a insuficiências da sua estrutura cívica e moral, não honrou os compromissos anteriormente assumidos, e que ela própria sufragou em eleições livres.
Nesta situação, é bem possível que chegue a existir violência sob diversas formas, nomeadamente: física, psicológica, ideológica, coerciva, ou outra e que, após a reposição da ordem, se conclua que não haveria outra alternativa para qualquer das partes envolvidas.
Para evitar situações originadas na impreparação dos cidadãos vem-se defendendo, desde há alguns anos, uma formação para a cidadania, ao longo da vida, a par da restante atualização no contexto profissional. Muito dificilmente um mau cidadão poderá ser um bom governante. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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domingo, 15 de junho de 2014

A Violência na Sociedade


A ideia de violência e a certeza da sua existência são tão antigas como o homem; a sua constante e frequente utilização, como processo de subordinação de uns em relação a outros, pela força, remonta aos primórdios da humanidade. Quer os meios, quer os efeitos, quer os objetivos aplicados ao uso da violência são vários, como diversas são as justificações para a sua permanente ocorrência.
Resulta que a violência é uma intervenção, a partir do exterior, de uma vontade humana, individual ou coletiva, que tenta sobrepor-se a uma ordem estabelecida, de forma a alterar uma situação, modificação de um comportamento, de pessoas ou grupos, ou ainda para as coagir ou suprimir, implicando um projeto de coerção.
Entre muitos exemplos de violência que se podem apontar, alguns bastam para a ilustrar: matança de inocentes determinada por Herodes aquando do nascimento de Cristo; genocídio dos judeus, ordenado por Hitler; torturas físicas e psicológicas aplicadas pelas polícias políticas, para submeter os cidadãos à vontade do Poder; instrumentalização ideológica, utilizada por certos grupos políticos, no sentido de captarem a adesão dos eleitores para ideais e programas de difícil aceitação espontânea e, por fim, o recurso à guerra para, alegadamente, resolver situações, entre sociedades e civilizações.
Um outro grupo de violências não se pode ignorar: pedofilia; tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e escravatura; comercialização de órgãos humanos; exploração de crianças no trabalho infantil e na mendicidade organizada; agressões domésticas várias; terrorismo; traficância e consumo de estupefacientes; negociação de armas; assalto à mão-armada; raptos; homicídios; abuso de poder. 
A partir do conhecimento de inúmeras ocorrências de violência, pode-se ficar com a ideia de que algum tipo delas, até poderá ser uma forma de solução de diversos conflitos, tomados como impossíveis de resolver de outro modo, e incapazes de permanecerem sem solução.
Naturalmente que a violência poderá ser abordada sobre dois aspetos: enquanto solução de alguns conflitos, que de outro modo permanecem insolúveis e este seria, em parte, o lado positivo; enquanto fonte de instabilidade e geradora do mal e, nesta perspectiva, destacar-se-ia a face negativa da violência.
Genericamente considerada, a violência ainda existe, de múltiplas e camufladas formas, infelizmente, hoje tão em uso, desde logo, a partir das famílias e com uma generalização que, por enquanto, não se vislumbra poder vir a reduzir-se drasticamente, embora a situação, na maioria dos países democráticos, não se possa considerar alarmante. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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domingo, 8 de junho de 2014

Direito e Justiça


O ordenamento disciplinador da sociedade encontra-se compilado em inúmeros documentos jurídicos que, por sua vez, obedecem a uma Lei Constitucional, na qual estão consagrados os direitos e deveres fundamentais, organização política, económica, judicial, órgãos de soberania, divisão administrativa e territorial do país, entre outras disposições legais.
Neste conjunto de normas, a Autoridade e o Direito devem caminhar em perfeita consonância, na medida em que a legalidade e legitimidade daquela advém do Direito e da adesão popular. A eficácia dos preceitos jurídicos depende da intervenção da Autoridade, dentro dos condicionalismos legais impostos pela tradição, pelos usos e costumes, obviamente, desde que conformes à Lei geral.
A força do Direito reside na observância habitual, sem conflitos e com frequente utilização das normas que ele consagra, por parte da maioria dos cidadãos que a ele está subordinada. Contrariamente ao que muitos possam pensar, que veem no Direito uma consequência da violação e o respetivo castigo, ainda que este aspeto também possa caraterizar o Direito, todavia, não será, porventura, o mais importante, nem o seu objetivo essencial, até porque cabe aos órgãos com atribuições jurisdicionais a vigilância e aplicação das normas jurídicas.
Órgãos por vezes dotados de alto grau de especialização e complexidade, relativamente à fiscalização, interpretação, investigação e coerção., obviamente que são necessários à ordem e segurança dos cidadãos. Tais órgãos revestem um caráter policial e, nessa qualidade, nem sempre são aceites, compreendidos e obedecidos pela comunidade.
Não basta invocar que a Polícia, também ela, como Corporação e, bem assim, os seus elementos individualmente considerados, estão sujeitos à mesma Lei que obriga os restantes cidadãos, para com esse argumento recusar obediência ou manifestar desrespeito para com a dignidade que lhe assiste, até porque, para muitas pessoas, a organização e comportamento da Polícia, poderá revestir-se de maior proximidade do que a dos próprios Tribunais, eventualmente, devido ao facto de os indivíduos entrarem muito mais facilmente em contacto com os agentes policiais, do que com os magistrados judiciais e funcionários a eles adstritos. Do que fica mencionado, pode-se inferir a ideia segundo a qual: a Ordem Jurídica deve ser encarada como ordem prático-normativa e, como tal, existe para se cumprir, nem verdadeiramente existe senão enquanto se cumpre, na realidade social.
Aqui surge um outro aspeto que se prende com a atuação do seu normativo nessa realidade, distinguindo-se, então: os critérios de procedimento ou operatórios; e os órgãos de atuação que se substanciam no ato que há-de desempenhar-se dessa aplicação, no qual terá de ser definido o modo de proceder e um agente que realize tal ato, bem como os órgãos dotados de poderes adequados a esta atuação e então, desde logo, as instituições policiais, para a prevenção das ofensas, depois os tribunais, as penas criminais e as prisões, constituindo os órgãos de atuação.
Ora, se o Direito é uma consequência da sociedade organizada, a Justiça resulta da aplicação justa do Direito, nessa mesma sociedade, nesta intervindo a Autoridade como primeiro garante dos direitos e deveres dos cidadãos. A Justiça é a outra componente, tão necessária quanto dignificante, para a convivência intersubjetiva do homem e, se se analisar em sentido absoluto, ela é, segundo alguns, “atributo da divindade e expressa a infalível perfeição da vontade divina”, mas se colocada numa perspectiva ética, enquanto conduta humana, então a Justiça adquire vários significados como sejam: “a virtude total ou perfeição moral em geral”, “a virtude particular que leva a dar a cada um o que lhe pertence” ou ainda “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.
Ao nível da abordagem filosófica, a conceção de Justiça, como virtude universal, encontra o seu primeiro grande desenvolvimento em Platão, na sua obra “A República”, traduzindo, em síntese, a harmonia e hierarquia das partes no todo, o que levado à concreticidade da Polis, significa que cada uma das classes sociais deve cumprir a sua missão específica, sob o impulso da virtude correspondente.
Em S. Tomás, a Justiça é considerada como virtude geral, no sentido de ordenar ao Bem-comum, os atos das virtudes éticas, isto é: a Justiça é a virtude cardeal, que consiste na disposição da vontade de atribuir a cada um o seu direito, sendo o seu objeto, o direito de cada um.
A Justiça implica também o outro, e assim a alteridade integra a sua essência, o que postula, igualmente, a diversidade de sujeitos. A Justiça funda-se, afinal, na virtude da prudência, enquanto medida reguladora do querer e do agir, e se destina a traduzir na conduta, a verdade do real.
Ainda segundo S. Tomás: «A Lei que se afasta da Lei natural, não será Lei, mas corrupção desta, pelo que as leis injustas não vinculam em consciência, exceto se tais leis evitarem um mal maior de desordem social, sendo legítimo resistir e até desobedecer às leis injustas.».
Similarmente se procederia em relação a ordens ilegais, aliás, este princípio é defendido no século XIX em Portugal: «Não é somente um direito, mas um dever para cada cidadão, não obedecer a uma ordem ilegal sem se precaver a si mesmo e à sociedade com meios de reparação deste atentado. Quem procedesse de outra maneira tornar-se-ia cúmplice da autoridade infiel.» (FERREIRA (1836:11).

Bibliografia

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo 

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domingo, 1 de junho de 2014

Crianças: Os Diamantes do Mundo


É difícil imaginar o mundo sem crianças, (adolescentes e jovens), porque é incompreensível aceitar a extinção da humanidade, aliás, uma das poucas espécies, se não mesmo a única que, globalmente considerada, ainda não estará em extinção, pese embora a redução demográfica de muitos países, a desertificação de muitas regiões e uma crescente aglomeração junto dos litorais e grandes centros urbanos e respetivas periferias.
As crianças são como o diamante puro, que precisam de ser lapidadas (educadas, formadas, sensibilizadas), mas antes disso, é necessário descobri-las, pelo único processo viável ao homem – fecundidade, reprodução, nascimento, cuidados e formação –. Os incentivos ao aumento das taxas de natalidade é, indiscutivelmente, a primeira medida que qualquer governante responsável e com uma visão de um futuro melhor, para uma humanidade envelhecida, deve tomar.
As crianças são um tesouro de valor inestimável que, devidamente utilizadas, em todas as suas capacidades, contribuirão para a riqueza das nações, justamente, através da sua educação e formação. A sociedade contemporânea, pela atuação dos seus máximos representantes: políticos, empresários, familiares, religiosos terão um papel preponderante na defesa das crianças que, como se sabe, são vítimas das maiores atrocidades físicas, psicológicas e morais.
Os países mais desenvolvidos têm, desde há várias décadas, apostado tudo na educação e formação das crianças e dos jovens (também dos adultos) e o que se verifica, sem grande esforço científico, é que nesses países o nível e qualidade de vida da população são de excelência.
O investimento nas crianças é a melhor estratégia para um mundo melhor, um futuro promissor que pode beneficiar a humanidade em geral e muitos dos atuais responsáveis, aqueles que pertencem a gerações novas mas já no poder, que se tiverem uma visão estratégica para a construção de uma humanidade mais afetivista, investem numa educação com objetivos diferentes.
Uma nova filosofia para a educação implica estudo e práticas filosóficas, também estas o mais cedo possível na vida de cada pessoa. As crianças devem ser um alvo preferido, dado que nas suas precoces idades estão recetivas à curiosidade, a tudo o que é novo, são especialistas na arte dos “porquês”, então a filosofia deveria ser um domínio disciplinar do conhecimento que, transversalmente, se inter-relacionaria com todas as restantes áreas da atividade humana.
Educar crianças com autoridade significa incutir-lhes, simultaneamente, um outro valor que é o Respeito. A autoridade dos pais, exercida com: tolerância e firmeza; amor e afetos; disciplina e liberdade; obediência e autonomia, contribuirá para, no futuro, aquela criança saber exercer, quando adulta, aquele valor superior, com idênticos parâmetros, em quaisquer papéis que vier a desempenhar, sabendo sempre colocar-se na posição que lhe compete, sem usurpar os direitos dos seus semelhantes.
Uma nova filosofia para a melhoria da educação, através do enriquecimento dos paradigmas técnico-científicos, poderá ser um bom princípio a incutir nas crianças de hoje, e que no futuro serão os adultos que irão governar o mundo, em todos os setores da intervenção humana. O enriquecimento dos atuais paradigmas passa pela introdução de valores, boas-práticas, virtudes e sentimentos verdadeiramente humanos.
Indiscutivelmente que compete aos adultos darem o exemplo, na circunstância o bom-exemplo, aquele que leva a criança a querer imitar, portanto, um modelo que possa trazer algo de melhor em relação ao que existe, porque, independentemente da subjetividade dos valores e dos gostos, sempre haverá um conjunto de procedimentos que servem o interesse do maior número possível, logo, da sociedade em geral. É pelo exemplo responsável e generoso que as crianças de hoje poderão ser os adultos que as gerações dos diversos poderes atuais não o foram.
 
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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A Sociedade Cultural


O problema da cultura também poderá ser uma “questão de mentalidade” segundo António Sérgio, porque aquela adquire-se muito gradualmente e é comum; esta é uma coisa que não se pode ensinar, pois é o resultado das convicções mais profundas de cada um; por outro lado, Protágoras afirmava que “o homem é a medida de todas as coisas”; enquanto Platão refere que “Deus é que é a medida de todas as coisas”; no entanto, Jorge Dias defende que “o coração é que se torna a medida de todas as coisas” e, finalmente, Ortega sustenta que “na cultura não há caminho, este faz-se no andar porque a cultura é activa, exige sonho, invenção, aponta para o futuro e pressupõe esperança”.
Diversos são os conceitos de cultura, todavia, para uniformização concetual, parta-se da evidência, segundo a qual: a cultura se manifesta nas formas de agir, sentir e pensar, que vão sendo apreendidas; traduz a totalidade do modo de vida de um povo; transmite-se pela tradição oral ou escrita, ritual ou monumental.
A cultura é uma atividade que diz respeito ao homem individual (domínio do subjetivo) e que contém, intrinsecamente, a ideia de transformação no sentido do melhor. É um processo de valorização do homem, um produto do espírito humano, uma sobreformação do caráter, enfim, uma “aristocracia do espírito” no conceito helénico. Uma cultura é sempre uma relação histórica com o passado, uma relação atual com o presente e uma direção para o futuro.
Por outro lado, uma cultura que não possua uma ideia de humanismo a propor, é uma cultura sem fundamento e, como tal, inadequada de se lhe chamar cultura. É imperioso mostrar e desenvolver o que no homem há de puramente humano, porque aqui se revela a função inigualável da Arte, da Literatura e da Filosofia, esta como última forma de cultura que o homem criou.
Entretanto, com as modificações profundas da educação e das inter-relações sociais, o sistema de valores vai-se alterando. O homem transforma-se, paulatinamente, ao longo da História e, ao fim de séculos vividos de várias formas, sob diversos sistemas, enfrenta, hoje, século XXI, um mundo que se evoluciona vertiginosamente.
Os valores fundamentais que ao homem dizem respeito, enquanto pessoa de direitos e deveres, não estão irremediavelmente perdidos mas, talvez, preconceituosamente esquecidos, porque certos valores referenciais a ideais absolutos, eventualmente, serão incómodos, tais como a Família, a Justiça, a Educação, a Saúde, o Trabalho, mais avançadamente, a Cidadania Universal, a Graça Divina, entre outros, onde a equidade de acesso à realização igualitária destes valores não está assegurada.
A capacidade de reflexão pode desenvolver-se em nostalgia ou projeto. O pensamento só vale na medida em que a aplicação material o prossegue, o que significa que algumas questões se colocam, quais sejam: em que medida, reflexão e ação se perseguem, se condicionam, se corrigem e se interdizem? Ou, ainda, em que medida, revolução e cultura se podem articular, isto é, haverá a revolução da cultura ou a cultura da revolução?
Seguramente que não se consegue compreender uma revolução cultural quando, em ações de campanha e dinamização cultural, se vê uma maciça lavagem de cérebros a coberto de uma ação de propaganda partidária, com recursos à linguagem ideológica, com objetivos de conquista do Poder.
A análise do discurso dos outros é feita pelo discurso do inteletual, o qual procura pela ação cultural vincular-se dialeticamente no confronto das classes sociais. Assim, se a revolução política for feita pela cultura, determinando novas formas de cultura, então haverá um primeiro estádio cultural, formado pelas aquisições do conhecimento e pelas projeções do desejo.
Sendo a cultura uma condição fundamental para a compreensão, é bem sabido que esta depende, num ou noutro aspecto, da melhor explicitação possível, o que remete para uma dialética que deve manter uma tensão entre polos de momentos relativos, num processo complexo que conduz à interpretação, que é o apogeu de um processo com uma dimensão epistemológica e ontológica.
Entre explicação e compreensão há uma relação recíproca, considerando que esta só se concretiza desde que aquela coloque claramente o objeto da sua explicitação, ou seja, a compreensão apela à explicação, através de uma situação de diálogo.
Esta relação muito complexa entre Ciências Humanas e Ciências da Natureza, na dinâmica do explicar e do compreender, é portanto, o núcleo fundamental da interpretação, esta a base para uma cultura sólida e, bem assim, para uma correta aplicação do Direito e da Justiça, sem o que não poderá haver organização social.
O homem projeta-se a partir da cultura, para um horizonte de esperança, porque ciente do seu passado, conhecedor dos erros que a História lhe aponta e o motiva para corrigir, ele pode captar, perfeitamente, o seu sentido último, compreender a sua posição no mundo e, neste aspecto, o investimento na cultura poderá permitir delinear uma estratégia antropológica, em ordem ao desenvolvimento da sociedade e ao seu apalavramento com o mundo e com Deus.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
 
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