Defende-se atualmente, em alguns círculos,
alegadamente muito positivistas, que hoje o homem é mais poderoso, que no
passado, havendo ainda os que vão mais longe, ao ponto de afirmarem que o homem
venceu os deuses, libertando-se destes e das crenças que conduziam à divindade.
Mas também é verdade que, neste mundo, a caminho da
globalização, o homem tem vindo a ser destituído de importantes privilégios que
a sua condição humana lhe proporcionou, desde logo o seu estatuto que resulta
de, numa certa perspectiva, ter sido concebido à imagem e semelhança do seu
Criador.
A dimensão axiológica que se prende com o conjunto
de valores, princípios e referências, inerentes ao homem, parte da corrente
humanista a qual lhe reconhece uma dimensão e uma dignidade específicas.
E se em vários domínios do conhecimento se apoia um
projecto inimitável para o homem, é na Filosofia e na Educação que um projecto
humanista mais profundamente se defende, na já longa e complexa história da
humanidade. Segue-se que todos os valores, princípios e referências não podem
ignorar o conceito básico que emana do humanismo: o Homem como princípio e fim
de toda a acção, qualquer que seja a sua condição e estatuto social.
Quando se avaliam factos ocorridos no último século
verifica-se que: se por um lado, contribuíram para libertar, ainda que
parcialmente, o homem da pobreza, da doença, das injustiças, da pena de morte e
dos maus-tratos e de outras chagas sociais; por outro lado, também se
identificam outros, alegadamente, imputados ao progresso, que conduziram o
homem para autênticas indignidades: guerras, perseguições políticas e
religiosas, violência e insegurança, campos de concentração, desigualdades
sociais e económicas, entre outras aberrações, todas elas imputáveis ao homem
“inteligente e racional”.
O que se
progrediu para o bem da humanidade, não foi o suficiente para se eliminar ou
ignorar os malefícios noutros domínios. Isto acontece porque os códigos de
valores, mesmo diferentes em culturas distintas, no que respeita aos valores
referenciais, como a vida, a dignidade, a liberdade, a solidariedade, entre
muitos outros, não são respeitados.
Nuns casos porque estão em jogo interesses
individuais e/ou de pequenos ou grandes grupos e dos poderes político-económicos;
noutros casos, porque o homem ainda não está preparado para aceitar os
objectivos do coletivo, principalmente se interferirem negativamente nos seus
próprios interesses e privilégios, entretanto conseguidos.
Naturalmente não parece crucial defender
exclusivamente o interesse coletivo, porque tal posicionamento contraria os
mais elementares direitos individuais, desde logo o direito à dignidade
pessoal, à auto-estima, à criatividade, ao produto do trabalho, desde que não
se prejudique iguais direitos dos outros semelhantes, o direito à posse e
fruição da propriedade privada.
Por que não uma axiologia utilitária de, cada um
por si próprio e a partir de si mesmo, contribuir para o todo, mantendo em seu
poder o que por direito lhe pertence? O princípio da utilidade, neste caso da
utilidade de valores, partindo da sua aplicação individual, certamente que
beneficiará o coletivo que, impregnado de uma mentalidade que seja a soma dos
ideais individuais, sairá a ganhar.
Por isso se configura de boa estratégia, preparar o
cidadão do futuro com uma formação de
valorização de tudo o que possa ser considerado útil para a humanidade, assente
nas utilidades individuais. Decidir entre o que convém, no sentido da
utilidade, e o que não interessa se não serve para nada, sendo que o objetivo
último se atingirá na consecução de uma existência condigna.
O conceito de utilidade aqui defendido, não pode
violar o princípio segundo o qual o que é útil para um deverá igualmente ser
útil para o seu semelhante, ou, conforme a lei kantiana adaptada: que o útil
particular se possa transformar em útil universal, reconhecendo-se, embora, que
gostos e utilidades, sofrem de um certo relativismo.
Nos tempos que correm a axiologia deverá ser
aceite, acarinhada e implementada, como vem sendo a mais sofisticada
tecnologia, as ciências exatas e outros domínios técnico-positivistas, porque
ela é imprescindível ao progresso, ao desenvolvimento e ao bem-estar da
sociedade humana. Neste sentido convém invocar, na perspetiva da formação do cidadão do futuro, alguns valores
essenciais:
1) Valores Éticos e Morais, desde logo a
começar na vida, enquanto o primeiro e o mais grandioso de todos os valores, de
que resulta na defesa intransigente desse bem supremo, quer no que respeita à
sua inviolabilidade, quer na própria proteção jurídica. Uma das maiores
conquistas da civilização é a dignidade humana. Para os que acreditam num ser
supremo, a vida é uma Graça Divina e não se encontra ao dispor do livre
arbítrio do Estado, de grupos ou do cidadão. Por isso mesmo e na melhor linha
humanista, a oposição à pena de morte constitui um princípio irrevogável, do
qual não se abdicará em circunstâncias normais.
2) Valores Sociais, que se identificam com a matriz personalista de
base humanista, de forma a constituir-se uma sociedade mais justa e mais
solidária, procurando erradicar a pobreza e a exclusão social, assumindo uma
oposição frontal ao egoísmo, à competição desregrada, de forma que a pessoa se
possa realizar na sua relação com as outras pessoas. A plena realização de cada pessoa deverá passar
pelo sentimento da doação, pela vontade de amenizar o sofrimento, de contribuir
para a felicidade e bem-estar dos outros, pela partilha. Pelos valores sociais
todos se devem empenhar: cidadãos, instituições públicas e privadas,
coletividades e organizações em geral. Por exemplo, a solidariedade social não
é exclusiva do Estado, nem o poderia ser, devido à sua insuficiência para
cumprir cabalmente as obrigações que afinal são de todos os indivíduos.
3) Valores Filantrópicos, porquanto ao longo da história, têm sido as
organizações não-governamentais, as instituições privadas de solidariedade
social, o trabalho voluntário, entre outros altruísmos, que têm resolvido
problemas humanitários graves em todo o mundo. De facto, o trabalho voluntário tem feito
verdadeiros “milagres”, nos vários
setores e situações em que é realizado: catástrofes naturais; recuperação de
pessoas doentes, marginalizadas ou em risco de vida; apoio a crianças e idosos
desprotegidos; ajuda a mães solteiras; ação social em bairros degradados e
tantas outras intervenções na sociedade.
4) Valores Económicos, a começar no respeito pela propriedade privada,
pelo seu uso e transmissão, livre de regras condicionantes à sua valorização,
isto é, ao livre exercício dos direitos de propriedade, porque a propriedade
privada é um direito inalienável do homem, com uma natureza social, mas que
também potencia o crescimento e contribui para o aumento da riqueza. Quanto maior for o número de pessoas proprietárias,
mais justa e rica será a sociedade. Nesta perspetiva, não devem repugnar os
direitos ao lucro lícito e justo e ao mérito pessoal para aqueles que arriscam,
porque é da natureza humana arriscar, jogar, procurar melhores rendimentos
através do trabalho, do negócio, do investimento, sem fugir às
responsabilidades do cidadão contribuinte.
5) Valores Políticos que, em democracia, são inalienáveis e suportam a
organização da sociedade política, perspetivada para a busca do bem, pelo amor
ao próximo, para a realização da felicidade individual. O homem desenvolve-se e
progride a partir da sua liberdade natural, no exercício do cumprimento de
decisões ancoradas nos seus conhecimentos: não só técnico-racionais; mas também
numa consciência cívica e democrática, no respeito pelos mais fracos.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone:
00351 936 400 689