segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Ano Novo: a Chama da Esperança.


Provavelmente, toda a pessoa otimista e, concretamente, o povo português, sempre entende que qualquer situação, “ainda podia ser pior”, o que significa que, “do mal, o menos”, isto é, com o advento de um novo ano, algo pode mudar, natural e desejavelmente, para melhor, é o que toda a gente mais ambiciona.
No Ano Novo também se festeja o “Dia Mundial da Paz”. Seguramente que neste primeiro dia do ano, quem é que, entre outros valores não deseja a Paz, a Segurança, a Estabilidade em todas as suas dimensões e, já agora, quem não pretende que também a Solidariedade, o Amor, a Amizade, a Lealdade, a Humildade, a Gratidão e tantos outros bens imateriais que se refletem na vida das pessoas, sejam uma realidade?
Agora é tempo de uma nova esperança, num futuro melhor, para todas as pessoas, independentemente da sua condição estatutária. É o primeiro dia de muitos dias, meses e anos que se pretendem de sucesso, de felicidade, de conforto espiritual e material, porque estes dois bens são inseparáveis.
Todos os Anos Novos, renasce uma promissora expectativa. O mundo, no seu todo e, particularmente, as gentes de todas as condições, acreditam que será possível um futuro melhor, basta que todas as pessoas para isso queiram contribuir: seja com os seus comportamentos compreensivos, tolerantes e cooperantes; seja com uma forte determinação em eliminar as consequências negativas que transitaram do ano passado, corrigindo erros, melhorando atitudes.
O Ano Novo deverá levar-nos a refletir sobre o que poderemos melhorar, o que deveremos refazer, ou começar tudo de novo. É tempo de fazer o balanço de um ano de convivência com os nossos semelhantes, seja em que contexto for: familiar, profissional, social, cultural, político, religioso, lazer ou qualquer outro.
É essencial que, independentemente das afrontas de que tenhamos sido vítimas, do desdém a que nos tenham votado, das rejeições que sofremos ao longo do ano anterior, tenhamos agora condições para apelarmos a quem de alguma forma nos “humilhou” para que cessem com esse comportamento desumano.
É tempo de reacendermos a chama de uma nova esperança, de uma nova oportunidade para a boa convivência, para a solidariedade, para a amizade, para a lealdade, para a humildade e para a gratidão. Não podemos ignorar quem nos tem feito bem, sob várias perspetivas, sem nunca pedir nada em troca, a não ser a retribuição daqueles valores e atitudes.
Para este novo ano de 2016, deseja-se apaziguar os conflitos locais, regionais e internacionais, como também as crispações nacionais que, em determinados setores da vida pública se fazem sentir, e que não conduzem a resultados que sejam favoráveis ao bem-estar das populações.
É inaceitável pensar-se, exclusivamente, no interesse próprio, mesmo que isso seja legítimo, do ponto de vista de quem assim procede, todavia, se o todo estiver bem, igualmente, as partes também estarão. O coletivo social deve estar ao serviço da pessoa verdadeiramente humana, tal como esta, também tem o dever de colaborar nos projetos coletivos.
Em todos os Anos Novos se renovam votos para um futuro auspicioso. As promessas, oriundas dos diferentes setores da sociedade, por vezes também se fazem ouvir, mas, passado este dia de júbilo, de paz e de esperança, infelizmente, quase tudo volta ao ponto “zero”, ou seja, tudo como dantes, e isso não pode acontecer.
As pessoas carecem, têm direito, de saber com o que podem contar no futuro. Ninguém deverá ter a arrogância de “publicitar fantasias”, de ludibriar justas e legítimas expetativas, pelo contrário, quem detém o poder, qualquer que este seja, tem a obrigação de zelar pelo bem-estar de quem lhe está subordinado.
Neste novo ano, talvez seja acertado iniciar uma reflexão em como e em quê, podemos melhorar os nossos princípios, valores e sentimentos, e aplicá-los aos nossos semelhantes, eventualmente, começando por retribuir-lhes todas as atenções percebidas ao longo do ano transato, todas as gentilezas, todas as amabilidades e todas as palavras, gestos e apoios recebidos. Será um bom princípio para alimentar a chama da esperança em manter sentimentos e emoções, entretanto, “espezinhados”.
Vamos todos acreditar e contribuir para que 2016 seja, finalmente, o início de uma longa era de prosperidade, de conforto, de esperanças renovadas, que nos podem alimentar, finalmente, a certeza de um futuro verdadeiramente digno da condição de toda a pessoa genuinamente humana.
O passado, é isso mesmo, um pretérito que apenas deve ser recordado para melhorarmos um presente que segundo a segundo está connosco, mas, principalmente, para nos projetarmos com vigor, com a certeza de que temos capacidades inatas para conquistar um futuro prometedor que merecemos.
Queiramos acreditar que todos juntos, sem ódios nem intenções de vinganças, embora não esquecendo os males que nos tenham feito, iremos conseguir atingir objetivos materiais, bem como outros, de natureza inefável, que proporcionarão, finalmente, o reconhecimento da grandeza e dignidade humanas.
Estamos todos no mesmo “barco”, ainda que algumas pessoas se considerem superiores, por qualquer circunstância da vida. A verdade, porém, é que há situações que não escolhem estatutos, sexos, idades e, numa qualquer “esquina” da vida, e do mundo, nos encontramos: umas vezes, por cima; outras vezes por baixo e, quem hoje desfrutando de uma qualquer supremacia e dela abusar para humilhar e perseguir quem está por baixo, amanhã as situações podem inverter-se e então, ninguém gostará de receber as maldades que fez a outros.
Importa, refletir, maduramente, que estamos de passagem. Não sabemos, verdadeiramente: de onde vimos? Quem somos? Para onde vamos? Com o nosso desaparecimento físico, talvez uma outra dimensão, porventura, espiritual, se desvele, não perante a pessoa terreste, talvez, face a uma Entidade Divina.
Mas enquanto o desenlace não ocorre, temos de conviver uns com os outros, o melhor possível, porque: «O problema da convivência não é apenas uma questão de estabilidade. Se acharmos uma solução estável no sentido de poder evitar as catástrofes da guerra e da fome, nem mesmo assim teremos resolvido o problema. Há uma exigência tão importante quanto essa: a de dar a todo o homem, dentro do quadro geral da organização, um ambiente digno de seres humanos. É preciso parar com a atual desumanização da vida.» (KERSTIN e ALFVÉN, 1969:155). 
O Ano Novo de 2016, também deve ser pensado, por muito que nos custe e faça sofrer, na situação das centenas de milhares de migrantes, das centenas de mortes, dos milhares de crianças que estão a sofrer autênticas desumanidades, que não têm culpa nenhuma dos desmandos dos adultos, que nem sequer pediram para nascer, mas que continuam a ser as vítimas mais frágeis neste mundo.
A Europa, dita civilizada, ancestralmente defensora dos valores humanistas, onde Portugal se inclui, não pode ficar indiferente a esta catástrofe. Cabe aos povos das nações europeias, e não só, como também a todos os governantes, entenderem-se na resolução da situação de quem está diminuído em quase todas as suas dimensões humanas. Haja respeito, compreensão, solidariedade, amor benevolência, compaixão e caridade pelos nossos irmãos migrantes.
Neste primeiro dia do ano, dia mundial da Paz, deixo-vos sinceros votos para que este Ano Novo seja vivido com muita alegria, felicidade, amor, serenidade e concórdia. Que, no que for possível, nos reconciliemos, sem renunciarmos aos nossos princípios, valores, sentimentos e emoções. Que sejamos capazes de praticar a solidariedade, a amizade, a lealdade, sempre com humildade e gratidão, principalmente para com as pessoas que já demonstraram estar incondicionalmente do nosso lado, para o nosso bem-estar material e espiritual.

Bibliografia:

KERSTIN e ALFVÉN, Hannes, (1969). Aonde Vamos? Realidade e destinos da humanidade. Trad. Jaime Bernardes da Silva. S. Paulo: Círculo do Livro S.A.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Telefone: 00351 936 400 689

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domingo, 20 de dezembro de 2015

Natal: Solenidade da Família e da Reconciliação

 
Há quem lhe chame a “Festa da Família”. Concordemos com essa qualificação, mas também lhe poderemos acrescentar a “Reconciliação”, porque na verdade é nesta quadra festiva que muitas famílias, amigos e outras pessoas desavindas, ou pelo menos, com relações menos boas, que poderão ter uma oportunidade para se apaziguarem, e tentarem minimizar as consequências entretanto ocorridas por força dos desentendimentos e outras questões melindrosas.
O Natal não pode ser apenas um tempo de “consumo”, muito embora, o comportamento gastador, para quem pode, seja uma forma de satisfazer alguns desejos que, durante o ano, pretendia ver realizados, aguardando-se, então, para esta quadra do ano, a concretização dos anseios, mais ou menos prementes.
Certamente que muitas pessoas constroem as suas críticas, precisamente, por se verificar este excesso consumista, em alguns casos, com bens e serviços que até nem serão de primeira necessidade, mas: se se trata de concretizar um “sonho”; realizar uma ambição há muito desejada; e se as pessoas têm condições financeiras para assim procederem, não há que julgar, negativamente, quem quer que seja.
O Natal também é uma festa de dádiva, a começar pelas crianças que, com alegria e ansiedade, aguardam aquela noite para abrirem os seus presentes, justamente ao lado da árvore natalícia e do presépio onde se encontram as principais figuras deste evento: Jesus, Maria e José, Reis Magos a caminho e todo um conjunto de outros “intervenientes”, como os pastores, os animais, as oferendas, enfim a própria natureza vegetal coberta de neve.
Trata-se de um enquadramento mágico, que as crianças, e não só, valorizam profundamente, que vivem aqueles momentos com uma alegria indisfarçável, a felicidade estampada nos olhinhos, naquelas faces belíssimas, sim, porque toda a criança é bela em toda a sua inocência, grandeza e dignidade.
Mas neste Natal de 2015, de resto como em todos os natais, deveríamos parar um pouco para pensar, desde logo no que fizemos de errado ao longo do ano, nas pessoas que, intencional e insensatamente, ofendemos, magoamos, apenas para satisfazermos egoísmos pessoais, alimentar uma certa vaidade de ostensivo poder, ou promover alguma mesquinha vingança.
A Reconciliação será, portanto, uma outra dimensão do Natal. Evidentemente que é necessário que as pessoas tenham a humildade e generosidade suficientes para se perdoarem entre si (o que não significa, esquecer), sim, porque todos nos ofendemos reciprocamente, seja: pela afronta premeditada; pela humilhação; pela rejeição; pela imposição da mágoa, dor e sofrimento ou por quaisquer outros princípios, valores e sentimentos, entretanto violados.
A Reconciliação é uma atitude que as pessoas bem formadas, compreensivas e tolerantes, acabam por assumir, porque só assim poderemos alcançar alguma paz interior. Não se está aqui a aplaudir quem nos ofende, muito menos que tenhamos de aceitar tudo o que nos fazem com objetivos de nos magoar, ofender, prejudicar e achincalhar, e ficarmos impávidos e serenos.
O adágio popular, segundo o qual: “Quem não se sente não é filho de boa gente”, apesar de talvez um pouco “fora-de-moda”, em certas circunstâncias terá a sua lógica própria e poderá, inclusivamente, revelar o autêntico caráter da pessoa que não reage às ofensas que recebe de outrem.
A sociedade atual atravessa tempos muito difíceis, é verdade. O valor TER sobrepõe-se, quase sempre, à circunstância do SER. É claro que é legítimo a toda a pessoa lutar por “Ter”: ter saúde, ter trabalho, ter amor, ter felicidade, ter bens materiais, ter tudo o que lhe faz falta na vida, para ter uma existência verdadeiramente digna da pessoa de deveres e direitos.
É da condição humana possuir o que lhe é necessário: para que o conforto nunca lhe falte; para que o seu estatuto socioprofissional seja o melhor possível; para que a vida não seja nenhum “calvário” de dor, sofrimento e miséria. A redistribuição das riquezas naturais deveria, também, ser uma realidade, naturalmente segundo critérios justos, com base no mérito de cada pessoa.
Neste Natal, que é o nosso presente, outros já são passado e, quanto ao futuro, no que a esta festividade respeita, ainda não chegou, então, por enquanto, pensemos na família como: “baluarte” de valores altruístas; núcleo fundador de uma sociedade mais justa, mais equilibrada, mais tolerante e mais estimada.
Toda a gente, em geral, deseja uma festa natalícia com solenidade, esta no seu sentido mais grandioso e digno, onde a solidariedade, a amizade, a lealdade, a gratidão e tantos outros valores, genuinamente humanos, nos fortalecem, nos enobrecem e nos elevam acima de toda a natureza que connosco convive neste planeta.
Viver intensa e caritativamente o Natal é uma outra dimensão que não deve ser descurada, através da qual teremos de olhar e solidarizarmo-nos com o “Outro”, nosso semelhante, apoiá-lo de acordo com as nossas possibilidades e transmitir-lhe um pouco de alegria que, provavelmente, não terá tido ao longo do ano.
O Natal que desejamos para nós, pode ser, igualmente, pretendido para os nossos irmãos na Fé, no Amor, na Amizade e nos Sentimentos mais nobres. É crucial que se faça um “esforço”, que se pratique um ato de generosidade, no sentido de promovermos a aproximação daqueles que, apesar de nos terem ofendido, humilhado e magoado, ao longo do ano, ainda alimentam a esperança de recuperarem amigos, entre os quais, nós poderemos ser um deles.
Reconciliação é, inevitavelmente, a “prenda” que “embrulhará” o que de mais profundo deverá existir nas nossas vidas, que queremos para nós, mas também para todos os que connosco coabitam neste mundo. Uma prenda que comporte em si mesma princípios, valores, sentimentos e emoções, mas também alguns bens materiais, tão necessários à vida confortável e condigna.
Nesta reflexão de Natal, o seu autor desejará muito ser o primeiro a pedir perdão a todas as pessoas que, por quaisquer circunstâncias da sua vida, magoou, ofendeu e criticou injustamente. Fica claro que, da sua parte, pede idêntico comportamento a quem de alguma forma também o lacerou, afrontou e rejeitou, injusta e arbitrariamente, talvez, até, eventualmente, com alguma crueldade.
Nesta quadra de grande solenidade da família, mas também de autêntica reconciliação, façamos todos um esforço para sermos retos, para adotarmos comportamentos assertivos, fidedignos e transparentes, mesmo que tenhamos de “abdicar” de outros interesses, situações, pessoas e “pseudoamizades”, porque a reconciliação também não pode ser “capitulação” total e incondicional a quem não tem estado, e continua a não estar connosco, ou, pior do que isto, a quem quer estar connosco e com quem nos ofende.
Natal, festa da Família, da Reconciliação, do Amor/Amizade. Que este ano o possamos usufruir em plenitude de liberdade, qualquer que esta seja: política, religiosa, profissional, social, estatutária ou de outra natureza. Todos temos o direito à diferença, todos devemos respeitar as posições de cada pessoa, concordando ou não com as suas ideias, atitudes e comportamentos, desde que não sejamos ofendidos, nem humilhados.
O Natal de 2015, também deve ser recordado, por muito que nos custe e faça sofrer, pela situação das centenas de milhares de migrantes, das centenas de mortes, dos milhares de crianças que estão a sofrer autênticas desumanidades, que não têm culpa nenhuma dos desmandos dos adultos, que nem sequer pediram para nascer, mas que continuam a ser as vítimas mais frágeis neste mundo.
A Europa dita civilizada, ancestralmente defensora dos valores humanistas, onde Portugal se inclui, não pode ficar indiferente a esta catástrofe. Cabe aos povos das nações europeias, e não só, como também a todos os governantes, entenderem-se na resolução da situação de quem está diminuído em quase todas as suas dimensões humanas. Haja respeito, compreensão, solidariedade e amor pelos nossos irmãos migrantes.
Nesta sublime quadra natalícia, deixo-vos sinceros votos de Festas vividas com muita alegria, felicidade, amor, serenidade e paz. Que, no que for possível, nos reconciliemos, sem renunciarmos aos nossos princípios, valores, sentimentos e emoções. Que sejamos capazes de praticar a solidariedade, a amizade, a lealdade, sempre com humildade e gratidão, principalmente para com as pessoas que já demonstraram estar incondicionalmente do nosso lado, para o nosso bem-estar material e espiritual.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
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domingo, 13 de dezembro de 2015

Etnias e Direitos Iguais


Nos últimos anos há quem venha defendendo a criação dos Estados Unidos da Europa, num regime federalista; também se tem apoiado, em vários quadrantes político-ideológicos, a nível nacional, a regionalização do país. Vários argumentos a favor e contra têm sido utilizados, e no que respeita a Portugal, o referendo realizado a propósito da regionalização, produziu um resultado inequívoco no sentido da sua recusa.
Quanto à criação de uma Europa federada igualmente existe quem a defenda, e também quem a rejeite, faltando, a este propósito, consultar todos os povos de cada nação constituinte da União Europeia. Segundo Habermas: «A federalização é uma solução possível apenas quando os membros dos grupos étnicos e mundos culturais diferentes vivem em áreas geográficas mais ou menos separadas.» (in TAYLOR, 1998:145).
É assim que se estende a garantia de direitos de coexistência iguais para os diferentes grupos étnicos, e para as suas formas de vida cultural, desde que a esfera pública abra as estruturas de comunicação, promovendo discussões orientadas para o auto-entendimento, que se possa implementar nas sociedades multiculturais, contra o acumular de conhecimentos da cultura liberal e à base de associações voluntárias.
Mas aqui talvez se possa colocar uma questão pertinente: «Utiliza-se a regra da maioria, para delimitar as minorias! Será tal regra justa? A regra da maioria não será antes a expressão política de hegemonia da cultura comum e por esta via, os multiculturalistas não estarão a cometer um erro quando redefinem a democracia de um modo não maioritário, como uma divisão do poder entre os diferentes grupos culturais?” (O’SULLIVAN, 2000:54).
A salvaguarda da coexistência dos direitos iguais, para diferentes grupos étnicos, e suas formas de vida cultural, não necessita de recorrer a um tipo de direitos coletivos, os quais, por sua vez, afetariam, excessivamente, os direitos individuais, porque no Estado Democrático Constitucional a proteção da forma de vida e de tradições, nas quais são formadas as identidades e que serviria para o reconhecimento dos seus membros, não representa um perigo para a preservação das espécies, de resto, na perspetiva ecológica, a preservação das espécies não pode ser transferida para as culturas, porque as heranças culturais e as respetivas formas de vida reproduzem-se normalmente «Nas sociedades multiculturais a coexistência de formas de vida com direitos iguais significa garantir a cada cidadão a oportunidade de crescer dentro do mundo de uma herança cultural e garantirem aos seus filhos crescerem nele sem sofrerem discriminação.» (TAYLOR, 1998:148).
A lealdade à cultura comum é, portanto, assegurada pela integração política dos cidadãos. Na perspetiva histórica da nação, tal cultura terá a sua origem na interpretação que resultar dos princípios constitucionais e, nesta medida, aquela interpretação não poderá ser neutral, o que se pode conseguir através dos debates históricos sobre os direitos e princípios constitucionais, que são as referências para qualquer patriotismo do sistema de direitos de uma comunidade legal, porque eles devem estar ligados às motivações e convicções dos cidadãos. Por tais razões é que a partilhada cultura política, na qual os cidadãos se reconhecem, é permitida pela ética «...A substância ética de um patriotismo constitucional não pode prejudicar a neutralidade do sistema.» (Ibid.:152).

Bibliografia

O`SULLIVAN, John, (2000). “A Próxima Grande Ameaça à Democracia”, in Revista Nova Cidadania, (4), Primavera 2000
TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo, Trad. Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget.
 
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domingo, 6 de dezembro de 2015

O Direito na Reconciliação Cultural


No Estado Democrático, o instrumento fundamental, regulador dos grandes princípios, valores e orientações sobre direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, é a Constituição Política da nação, porque segundo Habermas: «A constituição oferece, precisamente os direitos que estes indivíduos devem garantir uns aos outros se querem ordenar a sua vida juntos recorrendo, legitimamente à lei.» (in TAYLOR, 1998:125).
Acontece que: por um lado, a lei natural consagra um conjunto de princípios superiores, justos e verdadeiros, com validade eterna e universal e que, modernamente, constitui o corpo de direito natural, cuja construção, possivelmente das mais antigas, teria sido cristã, no sentido em que o direito deriva de Deus, da vontade divina; no entanto, por outro lado, não se pode ignorar o direito na perspetiva individualista, do interesse das pessoas, dos sujeitos, logo, direito subjetivo, que se traduz numa situação de vantagem, em que os outros não podem estorvar, ou impedir, que o titular deste ou daquele direito subjetivo o goze, porque: «O reconhecimento das formas culturais da vida e das tradições que foram marginalizadas, quer num contexto de uma cultura maioritária quer numa sociedade eurocêntrica global, não exige garantias de estatuto de sobrevivência?» (Ibid.:126).
Levanta-se aqui uma questão que é a que se prende com a proteção das identidades coletivas e o direito às liberdades individuais, ou seja, qual o reconhecimento que deve prevalecer, ou superiorizar-se: o direito das maiorias, fundado no direito positivo; ou o direito das minorias, com suporte no direito subjetivo? Taylor acrescenta que «... O princípio dos direitos iguais tem que ser posto em prática através de dois tipos de política que vão ao encontro um do outro – uma política de consideração pelas diferentes culturas, por um lado, e uma política para universalizar os direitos individuais, por outro. Uma é suposta compensar o preço que a outra exige com o seu universalismo igualitário.» (1998:129).
E se: por um lado, uma teoria dos direitos não é totalmente cega às diferenças culturais; por outro lado, em caso de conflito, o tribunal decide a quem pertencem determinados direitos básicos e, desta forma, o princípio do respeito igual para todas as pessoas seria válido, apenas, na forma de uma autonomia legalmente protegida.
Habermas considera que esta forma, juridicamente válida de direitos, é paternalista, porque ignora metade do conceito de autonomia, ou seja, deixa de fora aqueles a quem a lei se dirige, para poderem adquirir autonomia, porque: «Uma teoria dos direitos correctamente entendida exige uma política de reconhecimento que proteja a integridade do indivíduo nos contextos de vida nos quais a sua identidade se forma.» (in TAYLOR, 1998:131).
Quaisquer que possam ser as hipóteses de soluções provisórias, para determinar quais os interesses que devem prevalecer, uns em relação aos outros, o que o mundo vem assistindo é a uma explosão de autodeterminação dos povos através das vias bélicas o que, em boa verdade, leva ao sofrimento daqueles a quem os Estados, constitucionalmente democráticos, pretendem ver livres mas que, por interesses de ordem económico-estratégica, nem sempre exercem a influência forte e inequívoca junto dos opressores.
Porque, ao que tudo indica: a) a luta pelo reconhecimento à autodeterminação dos timorenses desenrolou-se durante algumas décadas! Porquê? Interesses económicos se sobrepuseram aos direitos humanos daquele povo; b) a luta pelo reconhecimento de uma cultura diferente do povo de Barrancos, não é recente! O que se pode fazer num Estado de Direito Democrático, sem que, com isso, se criem expectativas e/ou frustrações, em situações idênticas num mesmo país? c) E que dizer da marginalização, mais ou menos envergonhada, imposta pela sociedade portuguesa, às minorias étnicas a viver em Portugal: africanos, ciganos; ou doutras minorias: sexuais, sociais, culturais, profissionais, feministas, excluídos, marginalizados politico-ideologicamente e tantos outros.
Parece evidente que: «O feminismo radical insiste correctamente que a relevância nas diferenças, nas experiências e nas circunstâncias da vida dos grupos específicos de homens e das mulheres relativamente à oportunidade igual de exercerem liberdades individuais deve ser discutida na esfera política pública (...) esta luta pela igualdade das mulheres é uma ilustração particularmente boa da necessidade de uma mudança no entendimento paradigmático dos direitos.» (Ibid.: 135).

Bibliografia

TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo, Trad. Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget.

 
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domingo, 29 de novembro de 2015

Democracia e Cultura da Cidadania


São relativamente bem conhecidos os movimentos internacionais de valores morais, ou de outros valores, no sentido moral que a experiência, a sensibilidade e a razão vêm construindo ao longo da História. São valores que têm modelado os movimentos e Estados democráticos. Sempre houve lutas contra a exploração, contra a opressão, contra os privilégios no acesso aos bens da cultura e do espírito, contra todas as formas, antigas e modernas, de injustiças e discriminações sociais, contra o modo como a sociedade se organiza e apresenta, por vezes, como um dado ou uma fatalidade inelutável, bem como contra todas as formas de submissão que retiram ao homem o seu papel de sujeito dominante.
Nenhum responsável político, detentor de cargos de decisão, pode ignorar o aprofundamento da participação dos cidadãos nas decisões económicas, a nível público ou privado, bem como o acesso aos bens de cultura, como formas de dar conteúdo real à democracia política, porque o esforço de democratização económica e cultural constitui condição para o bom exercício dos direitos políticos e humanos, no âmbito de uma ordem social, em que todos disponham de iguais oportunidades e os laços de solidariedade humana sejam otimamente desenvolvidos, sendo compreensível que os grupos lutem por uma sociedade mais justa e pelo estabelecimento progressivo da efetiva igualdade de todos no acesso ao trabalho, à saúde, educação, formação e à cultura, entre outros direitos.
A democracia política é o sistema de governo que melhor se compatibiliza com a dignidade e a liberdade do homem. As democracias económicas, sociais e culturais aperfeiçoam e completam a democracia política e esta implica, necessariamente: a) O primado dos direitos pessoais, civis e políticos dos cidadãos; b) A prática da soberania enquanto expressão da vontade da maioria no respeito pelos direitos fundamentais das minorias; c) Um modelo de organização do Estado que respeita o princípio da separação dos órgãos de soberania; d) A autonomia das autarquias regionais e locais; e) O estímulo à máxima participação efetiva dos cidadãos, na gestão dos interesses públicos.
A cultura é o elemento constitutivo de todas as práticas sociais, porque enquanto proposta de valores, elaborada de imaginários sociais é, intrinsecamente, uma componente dominante e determinante de todos os aspetos da vida social, é o meio pelo qual um povo se determina e um processo de autolibertação progressiva do homem. A democracia cultural, como expressão do pluralismo, não pode desligar-se das democracias política, económica e social, existe entre elas uma relação de interdependência profunda.
A afirmação do Estado Democrático Constitucional passa pelo estímulo da atividade criadora de todos os cidadãos, tendo em consideração que a cultura não pode ser privilégio de qualquer grupo social ou monopólio do Estado. É certo que o Estado de Direito Democrático Constitucional não se realiza apenas nas democracias e valores, mas também noutros direitos que se reputam de fundamentais, entre eles o da existência de uma justiça equitativa, assente em dois princípios essenciais: «Primeiro – Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras; O segundo princípio aplica-se, numa primeira abordagem à distribuição da riqueza e do rendimento, (...) devendo ser feita de modo a beneficiar todos.» (RAWLS, 1993:68).
O reconhecimento pelo exercício de direitos eminentemente humanos será possível, desde logo, no quadro de uma cidadania democrática, a qual se exerce pela discussão entre os cidadãos, pela atribuição do poder e da legitimação do seu uso: «... É a forma política de distribuir o poder (…). A democracia encoraja a palavra, a persuasão, a habilidade retórica (…). Não pode, porém, usar a força nem fazer valer a sua posição, nem distribuir dinheiro; deve falar sobre as questões em causa.» (WALZER, 1999:289).
Na transição de século e de milénio, verificava-se que a complexidade do problema não deixava ninguém minimamente tranquilo, mesmo assistindo a atos públicos relativos à paz, à compreensão, à tolerância e ao perdão. O sentimento fundado no direito à diferença, incentiva os grupos, as comunidades e os povos à luta por um reconhecimento, a que se julgam com direito, e esse combate prolonga-se pelas gerações e pelo tempo.
É por isso mesmo que os que detêm cargos públicos devem ser os primeiros a flexibilizar as suas posições, seja na empresa, seja no governo da nação, seja nas instâncias mundiais, seja na família, na igreja ou na escola, aliás, parece que a partir dos cinco pilares: Família – Escola – Religião – Comunidade - Estado, será possível, articuladamente, caminhar no sentido da aceitação do multiculturalismo dos povos de todo o mundo.
Portugal e posteriormente o Brasil, têm tradição de boas práticas multiculturais, desde o início dos descobrimentos, passando pela emigração, os dois povos cultivam este princípio axiológico que é o direito à diferença.

Bibliografia

RAWLS, John, (1993). Uma Teoria da Justiça, Trad. Carlos Pinto Correia. Lisboa: Editorial Presença.
WALZER, Michael, (1999). As Esferas da Justiça. Em defesa do pluralismo e da igualdade. Trad. Nuno Valadares, Lisboa: Editorial Presença. 

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domingo, 22 de novembro de 2015

Reconhecimento no Estado de Direito Democrático


Deparam-se, contemporaneamente, diversos, graves e complexos problemas sociais, originados em diferentes comunidades, em contextos naturais ou artificiais, com objetivos explícitos ou intencionalidades inconfessáveis e, quaisquer que sejam as áreas de intervenção: política, religiosa, ecológica, económica e financeira, a dimensão cultural está, intrinsecamente, mais ou menos envolvida, por isso não se deve estranhar este permanente confronto de culturas, tanto mais acentuado quanto mais o fator étnico-rácico se revela e interfere.
Na verdade, nunca como hoje se falou tanto em culturas, multiculturas, interculturas, de tal forma que se coloca a questão, cada vez com mais pertinência, se não se estará a caminhar para uma hibridação cultural, ou uma cultura transgénica, como quaisquer outros produtos do campo alimentar e biológico?
Deverá a cultura ser manipulada até ao radicalismo etnocêntrico? Ou, pelo contrário, porque não se caminha no sentido do reconhecimento cultural, sem lutas, sem supremacias, sem exclusivismos? Ou, ainda, tendo em conta que devido ao sonho totalitário da pureza étnica – na raiz de reiterados e alegados crimes de Estado, conforme os que se teriam vivido no séc. XX – porque não se aceita que as sociedades culturais se venham afirmando pela tal hibridação de culturas, decorrente, entre outros fatores, da generosa mistura de gentes?
A policromia cultural avança, portanto, contra a autocracia do Estado, para diluir a autoridade de homogeneidade, ultrapassar a conceção de uma cultura oficial que, subtilmente, controla o acesso à cidadania, e aceita como inevitáveis a diversidade e a necessidade de construir uma nova ordem paradigmática, respeitadora do pluralismo cultural.
E se é certo que alguns governos vivem preocupados porque a democracia revela fragilidades, entre as quais se destaca a popularidade de novos grupos políticos e ideologias diferentes, não é menos verdade que a coesão social se vê afetada pelos confrontos étnicos, religiosos, linguísticos ou culturais: Palestina-Israel, Rússia-Ucrânia, Síria, Bascos-Espanha, enfim, um pouco por todo o mundo, os conflitos vão surgindo, as dificuldades para os resolver não param de aumentar: o recurso à agressão deixou de poder passar incólume, perante a mediatização da informação e a proliferação de uma cultura de cidadania universal e de direitos humanos que não se intimida nas fronteiras físicas e políticas.
O fenómeno cultural não está, por enquanto, suficientemente estudado e aprofundado, muito embora exista uma crescente consciencialização, designadamente nos Estados Democráticos, para uma apologia de tolerância cultural, no sentido de se aceitar uma interrelação cultural dos povos que, no seu início, pode fomentar atitudes e reflexões sobre a importância das diferenças, e a correlativa indispensabilidade do reconhecimento das diversas culturas.
A hibridação cultural, a partir dos movimentos migratórios, pode ser uma boa solução para atenuar conflitos, quer através da convivência interpessoal quotidiana, quer pelo relacionamento laboral, quer pela união matrimonial: «c) o apoio a famílias híbridas: no quadro mais vasto de uma política do incentivo à instituição familiar importará reconhecer a especificidade das famílias mistas e o seu relevante papel como instâncias de socialização dos diferentes para a paz e para a pacificação (...)» (CARNEIRO, 1999:43-48).

Bibliografia 

CARNEIRO, Roberto, (1999). “Choque de Culturas ou Hibridação Cultural”, in Nova Cidadania, S. João do Estoril/Lisboa: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, (2), pp. 43-52.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
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domingo, 15 de novembro de 2015

Religião e Valores Culturais


O homem, desde sempre, tem sentido a necessidade da vivência experienciada da religião, mesmo aquele que não acredita no poder transcendental da Divindade, em situações-limite, recorre ao Absoluto, qualquer que este Absoluto seja, indiferentemente do processo e fórmula utilizados, o homem, desesperadamente esperançado, ainda luta para sair da situação-limite, independentemente da solução adotada, mesmo que esta aponte para o suicídio.
A religião não poderá ser um valor a ignorar, porque ela faz parte integrante da vida, mesmo que cada um a pratique à sua maneira, constituindo assim uma dimensão vital das diversas e universais culturas. O valor religioso é intrínseco ao valor cidadania e nenhum governo do mundo poderá ignorar esta dimensão cultural dos cidadãos.
Em boa verdade: «Os actuais direitos fundamentais do homem e do cidadão, que têm consagração na maioria das constituições dos diversos Estados da Comunidade Internacional, foram o desenvolvimento e esclarecimento de um direito fundamental que funcionou como um autêntico embrião de todos os outros: o direito à liberdade religiosa, ao livre e público exercício de profissões de fé minoritárias sem a perda de quaisquer direitos civis, nem qualquer espécie de segregação movida pelo estado ou por particulares, daí decorrentes. (SOROMENHO-MARQUES, 1996: 77).
Se é verdade que as filosofias políticas dos finais do séc. XVIII, se preocuparam com a necessidade de fundar o poder e a legitimidade do Estado, não será menos certo admitir, hoje, a inevitabilidade da dimensão religiosa, e que esta tem cada vez uma maior importância na vida, de tal forma que se o fenómeno da proliferação das seitas é um facto, também é exato que as Igrejas das principais e tradicionais religiões se esforçam, pelo menos nas pessoas dos seus máximos representantes, por uma consensualização de posições, no respeito e tolerância pelos princípios e dogmas, que a cada uma dizem respeito.
Neste caminhar na busca de consensos, também os governos devem colaborar, através da consagração legislativa e, na prática, pelo reconhecimento da cultura religiosa da sociedade, procurando firmar um compromisso entre as minorias religiosas e o próprio Estado, aliás, pode-se aceitar, de boa-consciência, que foram benéficos os resultados constitucionais das revoluções americana e francesa, ao consagrarem nos direitos dos cidadãos a liberdade religiosa, partindo da tolerância religiosa para o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais.
Com efeito: «Desta forma, a questão religiosa, no final do século XVIII, revelou toda a grandeza e significado para a cidadania. O reconhecimento da liberdade religiosa só poderá ser assegurado no interior de um sistema constitucional de liberdades e garantias fundamentais. (...) Não é no temor a Deus que se revela a grandeza dos homens, mas sim na capacidade de honrar as leis que a si próprio se deram. Essa é também a dignidade do cidadão.» (Ibid:78).
Desprevenidamente, aceita-se, como sendo um lugar-comum, quando se fala de cultura, quando se tenta, por vezes intencional e desinteressadamente, classificar quaisquer situações, fenómenos, atos, atitudes, tradições, usos e costumes, como cultura, envolvência cultural, porém, quando se trata de reconhecer, em favor de uma determinada minoria, valores, atividades, comportamentos e princípios, como seus direitos inalienáveis e integrantes da cultura dessa minoria, surgem as evasivas de quem tem o direito de decidir a favor delas, escuda-se em argumentos político-constitucionais, vazios legislativos ou na irrelevância quantitativa dessa mesma minoria.
Pode-se concordar, ou não, sobre a utilidade das definições, argumentando que elas são redutoras, fechadas, dogmáticas ou, pelo contrário, que são um ponto de partida, um primeiro conceito, uma referência, todavia, não parece viável trabalhar-se no vazio, na indefinição.
Com o objetivo de, pelo menos, partir-se de algum ponto, analisem-se algumas ideias, segundo as quais, a cultura está presente na evolução da sociedade política: «Alguns antropólogos e alguns cientistas políticos, tanto quanto outros cientistas sociais, quase chegam a identificar o político com o cultural. (...) alguns estudiosos têm-se impressionado com o facto de que a maior parte das normas políticas existe não porque sejam sancionadas pela força, mas porque foram incutidas nos jovens no decorrer da sua criação como parte do processo de enculturação.» (FRIED, 1967:14-17).
Naturalmente que a complexidade da sociedade humana pode motivar as mais elaboradas teorias, conduzir à defesa de teses muito bem construídas, à idealização de uma sociedade pretensamente perfeita mas, quaisquer que sejam os argumentos, é incontornável esta dimensão cultural, porque ela é parte intrínseca à humanização.
No contexto de uma sociedade humanizada, a noção de cultura assume desenvolvimentos diferentes: «Na linguagem comum, o homem culto seria aquele que tem instrução, teve acesso à produção intelectual da civilização a que pertence (ciência, filosofia, literatura, artes em geral. (…) No sentido antropológico, cultura é tudo o que o homem faz, seja material ou espiritual, seja pensamento ou acção. (...) A cultura é, portanto, o que resulta do trabalho humano: a transformação realizada pelos instrumentos, as ideias que tornam possível essa transformação e os produtos dela resultantes.» (ARANHA, 1996:14-16).
De facto, é impossível dissociar a dimensão cultural do homem, quaisquer que sejam as suas vertentes: política, ideológica, religiosa, filosófica, científica, instrumental, na medida em que esta diversidade enriquece, na complexidade da sociedade, a dignidade que, indiscutivelmente, deve caracterizar o ser humano e, indo mais longe, com a ajuda da Profª. Maria Lúcia Aranha desenvolver-se-ia, de seguida, aquilo a que ela chama as três esferas da cultura, concluindo este tema ligando a cultura à educação, na medida em que se apresenta, cada vez mais evidente, que o reconhecimento das diferenças passa, necessariamente, por uma filosofia da educação.
Agora e sempre, a Filosofia em evidência: «Relações de Trabalho, que são materiais, produtivas e caracterizadas pelo desenvolvimento das técnicas e actividades económicas; Relações Políticas, ou seja, as relações de poder, que possibilitam a organização social e a criação de instituições sociais; Relações Culturais ou comunicativas que resultam da produção e difusão do saber e deveriam pertencer ao âmbito das relações intencionais, reduto da subjectividade. (...). A Educação é, portanto, fundamental para a socialização do homem e sua humanização. Trata-se de um processo que dura a vida toda e não se restringe à mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de rupturas pelas quais a cultura se renova e o homem faz a história.” (Ibid.:17).
Sem prejuízo de outras posições, tanto ou mais contributivas para o reconhecimento oficial e geral do multiculturalismo, ficou patente na abordagem descrita que a cultura constitui um bem natural e precioso para a humanidade, um valor de humanização que não se pode, em nenhuma circunstância, subestimar, pelo contrário, todos têm a obrigação de preservar, aperfeiçoar e cada vez mais, praticá-la, na vida quotidiana, intercambiando, entre povos, de todo o mundo.
A civilização Ocidental, pode ser vista como uma macrocultura, e a questão que é colocada é a de responder: «até que ponto e precisamente como o conteúdo dos direitos humanos, tal como os conhecemos na sua totalidade, serve como transportador da civilização ocidental e em oposição a outras civilizações com um desvio, claramente ocidental, relativamente expresso e consistente.» (GALTUNG, 1994:24).
Acresce a todo o desenvolvimento que, no âmbito do reconhecimento do direito à diferença cultural, existem vários instrumentos legais internacionais, nos quais Portugal é parte contratante, invocando-se, na circunstância, o “Convénio Internacional relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais”, mencionando-se alguns artigos mais específicos nesta temática.
É assim que, logo no primeiro artigo se declara que: «1. Todos os povos têm direito de dispor de si mesmos. Em virtude desse direito, eles determinam livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural. 2. Para atingirem os seus fins todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e dos seus recursos naturais...» e, no seu artigo segundo: «2. Os Estados partes do presente Convénio comprometem-se a garantir que os direitos aqui enunciados serão exercidos sem nenhuma discriminação fundamentada na raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra situação.» (in, HAARSCHER, 1993:183).
Avançando na análise deste importante documento, encontram-se, concreta e especificamente, normas que reconhecem, de forma inequívoca, o direito à cultura, aliás o artigo quinze é claríssimo: «Artº 15º. 1. Os Estados partes do presente Convénio reconhecem a todo o indivíduo o direito: a) De participar na vida cultural; b) De beneficiar do progresso científico e das suas aplicações; c) De beneficiar da protecção dos direitos morais e materiais resultantes de toda a produção científica, literária ou artística de que for autor.» (Ibid.:189).
É possível fundamentar os valores humanos a partir de uma argumentação religiosa: «A sociedade secular também tem interesse em que os valores humanos, o humanum, preservem o seu direito de cidadania no âmbito de uma religião e, neste caso, da religião católica (...). O humanum só poder ser salvo na medida em que a sua justificação for encarada em termos de divinum.» (KÜNG, 1990:156).

Bibliografia

ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna.
FRIED, Morton H. (1967) A Evolução da Sociedade Política: Um Ensaio sobre Antropologia Política. Trad. Luís F.D. Duarte. Rio de Janeiro/RJ: Zahar Editora.
GALTUNG, Johan, (1994). Direitos Humanos – Uma Nova Perspectiva. Trad. Margarida Fernandes. Lisboa: Instituto Piaget.
HAARSCHER, Guy, (1993). A Filosofia dos Direitos do Homem. Trad. Armando F. Silva. Lisboa: Instituto Piaget.
KUNG, Hans, (1990). Projecto para uma Ética Mundial, Trad. Maria Luísa Cabaços Meliço, Lisboa: Instituto Piaget.
SOROMENHO-MARQUES, Viriato, (1996). A Era da Cidadania. Mira-Sintra: Publicações Europa-América.

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